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Softwares desenvolvem senso rítmico de surdos
 
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16/06/2009

Softwares desenvolvem senso rítmico de surdos

Ferramentas podem auxiliar educadores, terapeutas corporais, fonoaudiólogos e crianças com surdez

O que é o ser humano sem a comunicação, sem a formação dos conceitos que chegam pelo ouvido? Refletimos muito pouco sobre esta questão e menos ainda sob o ponto de vista das pessoas surdas, como observa a professora Teumaris Regina Buono Luiz, que acaba de obter o doutoramento na área de atividade física, adaptação e saúde junto à Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp. "A maior parte dos conceitos que criamos acerca das coisas é fortalecida pela linguagem verbal. Essa entrevista só está sendo possível porque recorremos à semântica, ao jogo simbólico da comunicação, o que inclui o ritmo da fala para deixar mais claro o que queremos transmitir".

A pesquisa de doutorado, orientada pelo professor Paulo Ferreira de Araújo (FEF) e viabilizada em parceria com a Universidade Federal do Paraná (UFPR), resultou em dois softwares visando ao desenvolvimento do senso rítmico dos surdos, uma rica contribuição a educadores, terapeutas corporais, fonoaudiólogos e crianças com surdez de severa a profunda. "Há grande preocupação em trabalhar nesse campo, pois além da carência de ritmo nas ações motoras (tema afeito à área de educação física), existe uma implicação no ritmo da fala (o que diz respeito ao fonoaudiólogo), embora a oralização seja apenas uma das facetas na comunicação do surdo".

Atuando junto à comunidade de surdos em Curitiba desde 1997 e, portanto, apta a mensurar a necessidade de amenizar este déficit com relação ao ritmo, Teumaris Luiz instiga o ouvinte à reflexão. "O ritmo é um aspecto extremamente importante nas ações do ser humano e da natureza. Os fenômenos são cíclicos (rítmicos) e tornam possível a adaptação das espécies às mais diversas tarefas. Nós ouvintes, desde o ventre materno, desenvolvemos um contato íntimo com o ritmo ao redor, e é através da acuidade auditiva que esta exploração acontece".

Na primeira infância, diz a pesquisadora, esta estimulação cresce proporcionalmente às experiências sensoriais. O surdo, seja pela ausência ou diminuição drástica de um dos canais sensoriais (o auditivo), não possui o senso rítmico tão desenvolvido, o que se dá normalmente na criança ouvinte. "Mesmo no surdo oralizado - que consegue emitir palavras e formular frases - percebemos a voz gutural e não-rítmica. Como o ritmo está inserido em todas as ações motoras, a não estimulação do senso rítmico do surdo tem implicações diretas também sobre seus movimentos e sua noção espaço-temporal".

Projeto original

A autora da tese lembra que duas formas tradicionais de aquisição do ritmo pelo surdo são as práticas motoras sobre tablados e o estímulo da percepção colocando as mãos na caixa de som. Como projeto de mestrado em 2001, ela idealizou e levou a campo o Programa de Atividade Rítmica Adaptada (PARA), baseado em método proposto pelo professor Iverson Ladewig, da UFPR. "A ideia é estimular os sentidos remanescentes do surdo, que são a visão e o tato, para que ele perceba o ritmo ditado no ambiente (a música tocada) em seu parâmetro 'velocidade', por meio de dicas visuais".

Os estudos pilotos foram realizados no Cepre (Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação "Gabriel Porto") da Unicamp. Em um quadro imantado foram dispostos oito ímãs com desenhos de tartarugas para compreensão do ritmo lento e de coelhos para o ritmo rápido. Tocando cada figura com a mão, na velocidade do ritmo executado no ambiente, a pesquisadora pedia às crianças surdas que realizassem movimentos seguindo as dicas visuais. "Elas passaram a compreender melhor as noções de ritmo e a realizar movimentos corporais de forma livre, sem ter que copiar um instrutor".

Teumaris Luiz aplicou o PARA junto a alunos do ensino fundamental com surdez de severa a profunda, por um período de quatro meses, dentro do Centro de Reabilitação Sidnei Antônio (Cresa). "Apesar do progresso, as crianças continuavam dependendo da habilidade do professor na execução do padrão rítmico ambiental. Daí, a proposta da pesquisa de doutorado de desenvolver um método que oferecesse maior autonomia, em que o próprio surdo visualizasse o ritmo externo, sem ajuda de um intermediador".

Batidas e vibrações


Os dois softwares que frutificaram da tese foram elaborados em parceria com o Grupo Imago (da UFPR), coordenado pelos doutores Olga Regina Pereira Belon e Luciano Silva, e com a colaboração dos bolsistas André Mallaguini e Lílian Mohira. O primeiro software, chamado BPM Counter, é igualmente baseado nas dicas visuais para orientar as ações motoras rítmicas do surdo.

"Na tela do computador surgem oito quadrados pretos, que são coloridos em sequência de vermelho ou azul, dependendo do andamento (velocidade) solicitado no campo descrito em BPM. Conforme o quadrado vai sendo pintado, a criança pode começar batendo os pés direito e esquerdo no chão, dificultando-se as ações paulatinamente, até deixá-las livres, ainda assim, no ritmo externo escolhido", explica a pesquisadora.

O segundo software, na versão VPM (vibrações por minuto), surgiu da proposta de um surdo que percebeu um evento rítmico gerado pelo seu telefone celular no modo vibracall. "É uma ferramenta para ser instalada em celulares, por meio da qual se acessa um gráfico que faz o aparelho vibrar no ritmo tocado no ambiente. As crianças podem segurá-lo na mão ou juntá-lo ao peito para sentir a vibração mais intensamente".

Teumaris Luiz observa que a aquisição do ritmo para uma ação motora é uma atividade estreitamente interligada com a dança e que, para os surdos, torna-se bastante interessante contar com softwares que exploram o sentido tátil e o visual para extrapolar os movimentos simples. "Antes, o surdo que queria dançar ia até a caixa de som sentir a vibração da música e, quando voltava, a informação já estava perdida".

A autora da tese lembra que, na década de 1990, em várias iniciativas para aproximar os surdos da dança, uma pessoa servia de modelo, em tempo integral, executando os movimentos em algum lugar em que eles pudessem visualizá-la. "Isso diminuía a autonomia, que com o software é maior, permitindo ao surdo fazer seu próprio movimento sem perder o ritmo".

Repercussão

A pesquisa de campo com os softwares foi realizada na Escola de Educação Especial Centrau, mantida pela Astrau (Associação Santa Terezinha de Reabilitação Auditiva) em Curitiba. "Procuramos ouvir a opinião dos professores, segundo os quais as crianças passaram a se perceber como integrantes de um grupo, participando de atividades coletivas e apresentando melhor noção do tempo para executá-las - esta noção de pertença a um grupo e de realizações conjuntas são fortemente estimuladas pelo ritmo. A fonoaudióloga, por sua vez, constatou sensível melhora no ritmo e no entendimento da noção da pausa na fala dos alunos."

Desde seu início em 2001, o projeto de Teumaris Luiz vem repercutindo no país e no exterior, como nos renomados congressos de atividade física adaptada de Oregon (EUA) e Verona (Itália). Contudo, a autora espera mais, depois do estudo de doutorado. "Acredito que a extensão desta pesquisa depende de um projeto com um número maior de pessoas avaliando a eficácia dos dois softwares, possibilitando uma maior divulgação das ferramentas e a sua implantação nos grandes centros de estudos dirigidos à comunidade surda".

Duas renomadas professoras do Cepre, Maria Cecília Marconi Pinheiro Lima e Tereza Ribeiro de Freitas Rossi, deram seu aval ao trabalho de Teumaris Luiz e participaram da banca avaliando a tese de doutorado quanto à temática da surdez. O BPM Counter está disponível no sítio do Grupo Imago na Internet: www.imago.ufpr.br/linuxacessivel.html. Quanto ao VPM Counter, a ideia é entrar em contato com empresas de telefonia para discutir sua disponibilização nos aparelhos, bem como a ampliação do acesso ao software pela Web (veja texto nesta página).

Tecnologia facilita acessibilidade

No último Censo, no ano de 2000, o IBGE estimou a população com algum grau de deficiência auditiva em 5,7 milhões de brasileiros. Hoje, a maioria é usuária da rede Web e possui telefone celular. "Para os surdos, a Internet representou um enorme avanço em termos de comunicação, lazer e troca de experiências com membros da comunidade e ouvintes. E o telefone celular também já é uma realidade para eles, devido à possibilidade de receber e enviar mensagens, entre outros usos", afirma a professora Teumaris Regina Buono Luiz.

A pesquisadora admite que a disponibilização do software VPM Counter nos celulares não é uma medida simples, já que envolve um custo para o usuário que precisa ser eliminado. Entretanto, a Lei de Acessibilidade (10.098, de 1994), servirá como argumento na discussão dos trâmites com as empresas de telefonia. "A lei propõe o desenvolvimento tecnológico orientado à produção de ajudas técnicas para as pessoas portadoras de deficiência. Fomentar pesquisas para a melhoria de vida desta população é, portanto, legal, constitucional e urgente".

De acordo com a especialista em atividade física adaptada à saúde, operadoras de telefonia fixa já disponibilizam aparelhos especiais para deficientes auditivos, distribuídos por diversos locais públicos. Este serviço, disponível 24 horas por dia pelo número 1402, permite fazer uma ligação entre um aparelho de telefone qualquer e o aparelho especial, ou vice-versa, em tempo real e sem qualquer acréscimo à tarifa comum. "Na central, uma atendente lê as mensagens digitadas, repassando-as para o ouvinte, e digita as respostas de volta ao surdo, que as lê em seu monitor. Quanto ao celular, é certo que os surdos não usam o aparelho para conversação, como nós, mas já presenciei um surdo oralizado falando ao telefone e esperando um retorno com mensagens de texto".

Teumaris Luiz observa que, neste mundo globalizado, as novas tecnologias fazem parte do cotidiano dos indivíduos desde a mais tenra idade. "Crianças de 4 anos manipulam essas máquinas com a destreza que acertávamos as casas da 'amarelinha' com os sacos de feijão. O surdo não está à margem destas vivências. Pensar em autonomia e em acessibilidade do surdo remete-nos a pesquisar sobre estas possibilidades, sem esquecer a importância da 'amarelinha' na formação do acervo motor da criança, mas contextualizando e direcionando a pesquisa para o mundo tecnológico, que se abre para o movimento corporal do surdo a cada contribuição científica".

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Autor: Luiz Sugimoto
Fonte: Jornal da Unicamp

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