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Santa Maria: jovens ainda vivem rotina de tratamento
 
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27/01/2014

Santa Maria: jovens ainda vivem rotina de tratamento

Cerca de 600 pessoas ainda estão sendo acompanhadas por causa das lesões sofridas no incêndio

Um ano depois da tragédia que matou 242 pessoas na boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, muitos sobreviventes ainda vivem uma rotina incansável de tratamento e lutam para superar o trauma.

No Centro Integrado de Assistência às Vítimas de Acidente (Ciava), ambulatório montado pelo governo federal para atender os feridos, cerca de 600 pessoas ainda estão sendo acompanhadas por causa das lesões sofridas no incêndio.

Ana Lúcia Cervi Prado, coordenadora da área de reabilitação, conta que 43 pessoas estão fazendo fisioterapia respiratória e dermatofuncional para tratar cicatrizes e queimaduras de pele.

Kelen Ferreira, de 20 anos, é uma das 22 pessoas que frequenta o local de segunda a sexta.

Alguns dias após o incêndio, a família da jovem chegou a ouvir dos médicos que ela poderia morrer a qualquer instante.

Superados os 15 dias de coma e 78 dias no hospital, Kelen conta, com surpreendente serenidade, como sobreviveu à tragédia.

A jovem sofreu queimaduras de terceiro grau em 20% do corpo e teve que amputar uma das pernas pouco abaixo do joelho. Sua sandália ficou colada ao pé, causando necrose. Mas ela está se acostumando com a prótese e anda para cima e para baixo de muletas.

Kelen teve que fazer enxertos de pele nos braços e nas mãos, que ficaram profundamente queimados. Diz ter passado por momentos de extrema dor. Para ela, no entanto, agora é a coceira que incomoda mais.

Constrangimento

Nos primeiros meses, ela escondia as cicatrizes que cobrem os dois braços debaixo de malhas.
Agora, voltou a usar blusas de manga curta ou alças. "É por saber que a gente vai viver com isso para sempre. Com as marcas físicas e as psicológicas também", afirma.

Kelen perdeu três amigas no incêndio e sofre princípios de pânico sempre que ouve uma ambulância.

Mas não largou a faculdade de terapia ocupacional e está decidida ajudar outras pessoas que sofrem de lesões semelhantes às suas no futuro.

"Quero me formar e retribuir pelo que fizeram por mim, ajudando pessoas na reabilitação física de queimaduras e amputações", diz.

Ela agora tem de conciliar os estudos com as idas diárias à fisioterapia, o atendimento psicológico e as viagens frequentes a Porto Alegre para aplicar corticóides nos braços. O tratamento deve durar pelo menos cinco anos.

"É uma luta todos os dias", diz Kelen, que em dezembro tatuou a palavra "fé" na nuca.

Recuperação

Ana Lúcia Cervi Prado diz que há diversos outros casos como o de Kelen ou de pessoas que tiveram queimaduras ainda mais graves.

"Todas estão se recuperando e retomando a vida e o convívio social. Algumas já voltaram para o emprego ou para a universidade. Mas a maioria não quer se expor", explica.

A fisioterapeuta diz que a situação hoje é mais alentadora que se esperava no início, já que a maioria das pessoas internadas chegou a correr risco de morte.

"Hoje elas estão conseguindo se recuperar e o saldo é positivo, especialmente se lembrarmos de nossa expectativa naquele fatídico dia 27", diz.

Mas as vítimas vão precisar de acompanhamento por muitos anos, já que não se conhecem as consequências do cianeto – gás tóxico produzido quando a espuma que revestia o teto da boate pegou fogo – sobre as vias aéreas.

Trauma

O Ciava tem 28 profissionais e boa parte dos atendimentos é psicológico. Mesmo quem não ficou com marcas físicas do incêndio é assombrado pelo trauma.

Caroline da Luz, de 22 anos, estudava enfermagem mas trancou a universidade.

Não aguentou voltar para a sala de aula depois que 23 de seus colegas de turma morreram.

"Parei por falta de ânimo, falta de vontade. A gente se espanta muito. Sai da sala um dia e está todo mundo lá. Chega no dia seguinte e não tem ninguém", afirma.

Ela conseguiu escapar da boate tomada por fumaça. "Só consegui atravessar a rua, caí sentada e apaguei". Acordou no dia seguinte no hospital, onde passou três meses se recuperando.

Caroline vai a um psicólogo uma vez por semana e diz que o mais difícil é conviver com a lembrança.

"Peguei muito medo. Tenho medo de muita coisa. E quando vem aquele barulho todo de ambulância, volta tudo", confessa.

Coma

A representante comercial Natalia Greff, de 28 anos, até hoje não sabe como sobreviveu. Ela estava com dois amigos na boate. O grupo tinha vindo para Santa Maria de São Paulo e Caxias de Sul para uma reunião de amigos de longa data.

Quando uma cortina de fumaça preta baixou sobre os que estavam na Kiss, ela conseguiu dar poucos passos até bater em uma barreira de corpos caídos.

Os que vinham atrás, desesperados, a empurravam contra os que já haviam desmaiado. Ela desmaiou pouco depois, abraçada a um dos amigos, e não sabe quem a retirou de lá.

"Depois disso, só me lembro da minha cabeça batendo no asfalto enquanto alguém me puxava pelas pernas gritando, pedindo ajuda, dizendo que eu ia morrer", afirma.

Natália ficou em coma por quatro dias e teve alta após nove dias no hospital. Só então soube que os dois amigos haviam morrido.

"Até hoje eu cuspo fuligem e tenho muita tosse. Tenho que fazer fisioterapia respiratória para tentar expelir", conta.

Mas o mais difícil é superar o que aconteceu.

"É surreal. Você pensa que pode estar colocando a sua vida em risco indo para uma festa. Mas em questão de segundos, pode perder a vida do nada."


Autor: Júlia Dias Carneiro
Fonte: BBC Brasil

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