Depressão, medicamentos antidepressivos e receptores cerebrais
A depressão é uma doença com prevalência de 5% a 9% para as mulheres e 3% a 5% para os homens. A duração média de um episódio de depressão é de 20 semanas. A prevalência da depressão nas consultas médicas não-psiquiátricas varia entre 18% a 36%, dependendo dos critérios utilizados para a avaliação. Após o primeiro episódio há uma recorrência de 50%, após o 2o, 3o e 4o episódio, a recorrência é de, respectivamente, 70%, 80% e 90%.
Em um estudo prospectivo de seguimento durante 10 anos, as recaídas nos pacientes que alcançaram apenas remissão parcial dos sintomas durante um episódio depressivo são de 76%, e de 25% nos pacientes que alcançaram remissão total. O risco de recaída aumenta em até cinco vezes nos pacientes que apresentam remissão parcial. Em geral, 75% a 85% das pessoas que tiveram um episódio de depressão apresentam pelo menos uma recorrência ao longo da vida. Quanto mais cedo se institua o tratamento, maiores são as chances de uma remissão, sendo cada vez menores após três meses de doença.
A alta porcentagem de recorrência significa que o tratamento apenas farmacológico, muito embora freqüentemente supere o episódio inicial, não consegue evitar as recorrências na maioria das pessoas. Além disso, nas formas leves a moderadas de depressão unipolar, a resposta ao placebo alcança 50% a 70%, e um tamanho do efeito (effect size) de apenas 0,5% do medicamento usado em relação ao placebo.
Na metanálise de Kirsch e Sapirstein, com vários medicamentos antidepressivos, o efeito placebo alcança 75% e a correlação entre o efeito do placebo e o efeito da droga é de .90, indicando que virtualmente todas as variações do tamanho do efeito da droga eram devidas às características do placebo.* Na prática clínica, com o uso de doses ajustadas para cada paciente e o tempo de ação do medicamento podendo ser superior a seis semanas para a obtenção da resposta ao medicamento (normas da FDA americana para estabelecer a eficácia de uma droga), é ampliada a eficácia dos antidepressivos.
*Esse estudo chega à conclusão controversa de que grande parte do efeito terapêutico dos antidepressivos deriva do efeito placebo, por meio de estudo estatístico controverso. Esta metanálise verifica estudos diferentes, que usaram diferentes pacientes e diferentes medições para avaliar a variável dependente.
Pacientes que apresentam um episódio de depressão associado a um distúrbio do sono, e após o tratamento se recuperam da depressão, mas persistem com o distúrbio do sono, têm alto risco para apresentar recorrência da depressão.
O tratamento das manifestações depressivas não se resume na prescrição de medicamentos que aumentem a liberação dos neurotransmissores cerebrais, noradrenalina, serotonina e dopamina, porque é mais provável que haja desregulação na liberação desses neurotransmissores, algumas vezes estando diminuídos e outras vezes aumentados. Conhecemos os efeitos dos antidepressivos nos receptores da superfície celular pré e pós-sinapse, mas não sabemos explicar a maneira como exatamente esses receptores produzem os efeitos clínicos da recuperação do humor.
Por outro lado, como os medicamentos antidepressivos não agem imediatamente, não é o aumento inicial da liberação de noradrenalina, serotonina ou dopamina na fenda si-náptica o responsável pelo alívio da sintomatologia, mas provavelmente da regulação da expressão gênica neuronal e/ou da ativação de proteínas celulares e ainda pelo fato de a alteração de um neurotransmissor modificar globalmente todos os circuitos encefálicos.
A seletividade farmacológica dos antidepressivos pode ser alterada após a administração sistêmica, de acordo com a dose, metabolismo da substância química, interações fisiológicas entre os neurotransmissores e os efeitos adaptativos que surgem após a administração continuada a longo prazo.15 Adicionalmente, os compri-midos e cápsulas geralmente não aliviam os fatores de risco que contribuíram para a depressão:
• não melhoram um péssimo casamento;
• não melhoram uma situação infeliz no trabalho;
• não resolvem um conflito familiar anterior;
• não reduzem o déficit de habilidades sociais de uma pessoa;
• não modificam as maneiras disfuncionais de pensar, perceber e sentir do paciente;
• não ensinam como resolver problemas;
• não criam objetivos realistas para uma pessoa deprimida.
Por outro lado, mulheres idosas com depressão apresentam hipocampo com menor volume do que mulheres da mesma faixa etária sem depressão, e a perda neural é associada à neurotoxicidade decorrente do estresse por meio da liberação de glicocorticóide associado aos episódios de depressão recorrente.
Outro estudo do mesmo grupo relata que a atrofia hipocampal presente nas pacientes com depressão relaciona-se com o período de duração da doença, e não com a idade das pacientes. O tratamento com fluoxetina aumentou a neurogênese na região hipocampal de ratos, e a eletroconvulsoterapia aguda ou crônica que é uma maneira de tratar depressão resistente em humanos, aumentou a proliferação celular no hipocampo em camundongos.
Jacobs e cols. propõem que a diminuição da neurogênese pelo estresse deveria ser um fator etiológico na depressão e o tratamento, seja farmacológico ou não, geralmente necessita de 3 a 6 semanas para apresentar efeito terapêutico, que é o tempo necessário para os novos neurônios gerados na região do giro dentado do hipocampo tornarem-se funcionalmente ativos na circuitaria cerebral.
É preciso a realização de estudos em humanos para verificar a proliferação celular no hipocampo em pacientes com depressão submetidos ou não a tratamento farmacológico. Essa informação poderia ser obtida pela contagem celular e por estudos imunoistoquímicos com a utilização de anticorpos contra marcadores do ciclo celular de tecidos post mortem obtidos de indivíduos com e sem depressão, e eventualmente utilizá-las no desenvolvimento de novas modalidades terapêuticas para as pessoas com depressão.Contudo, a ligação relevante entre a neurogênese no hipocampo do adulto e a depressão só pode ser estabelecida se for demonstrado que a neurogênese da camada granular do giro dentado do hipocampo contribui indispensavelmente para a função do hipocampo, e que essa função particular seria de certa forma instrumental da depressão maior.