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Como o próximo presidente pode melhorar a saúde brasileira
 
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29/09/2014

Como o próximo presidente pode melhorar a saúde brasileira

Especialistas apontam seis medidas necessárias para dar um salto de qualidade no setor, considerado o pior problema do país pela população

O próximo presidente terá o desafio de melhorar o que a população considera o problema número 1 do Brasil: a má qualidade do serviço de saúde. De acordo com uma pesquisa feita pelo instituto Datafolha a pedido do Conselho Federal de Medicina (CFM), divulgada em agosto, 93% dos eleitores consideram o serviço, público e privado, péssimo, ruim ou regular. Entre os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), a taxa de insatisfação é de 87%.

Não será tarefa fácil alcançar os objetivos previstos na Constituição — oferecer um serviço de saúde universal, igualitário e integral à população. De acordo com dados do Ministério da Saúde, 75% dos 200 milhões de brasileiros dependem exclusivamente do SUS. Os outros 25%, clientes de planos de saúde, recorrem ao sistema público em algum momento da vida, como para obter vacinas, atendimento de emergência e acesso a procedimentos de alta complexidade não cobertos pelo plano.

Desde que foi criado, em 1988, o SUS trouxe inegáveis avanços à saúde do país. Entre seus pontos fortes estão os programas de imunização, transplantes de órgãos e controle de HIV/aids. Ainda há, no entanto, um longo caminho a ser percorrido para o sistema prestar um serviço de qualidade. Faltam planejamento, recursos, critérios e maior dedicação à atenção básica. Sobram desorganização e politicagem.

Futuro — O cenário para um futuro próximo não é animador — se continuar como está, a qualidade do serviço vai piorar. Enquanto o Brasil ainda não conseguiu erradicar doenças de países pobres, como dengue, encara enfermidades típicas da modernidade, a exemplo de hipertensão, diabetes, depressão e Alzheimer. Doenças crônicas tendem a aumentar, na medida em que os brasileiros engordam (50,8% estão acima do peso, segundo o Ministério da Saúde) e envelhecem (até 2050, a população idosa vai mais que triplicar, de acordo com o IBGE).

Prestar um bom serviço nos moldes estabelecidos pela lei brasileira é uma meta "praticamente impossível de alcançar", segundo com Bernard Couttolenc, consultor em economia da saúde do Banco Mundial e coautor do estudo 20 anos de Construção do Sistema Público de Saúde no Brasil. "Nenhum país oferece tudo de graça para todos." Mas é possível melhorar o que é ofertado hoje.

Ao site de VEJA, Couttolenc e outros especialistas apontaram o que deveria ser feito para a saúde brasileira dar um salto de qualidade. Os temas foram confrontados com as propostas do programa de governo de três candidatos à presidência: Dilma Rousseff, Marina Silva e Aécio Neves. Do trio, apenas Marina Silva apresentou um programa completo. A uma semana da eleição, a petista e o tucano possuem apenas minutas do plano de governo, nas quais a reportagem se baseou.

Seis propostas para melhorar a saúde pública no Brasil

Aumentar o repasse de verbas da União

O Brasil não gasta pouco com saúde. De acordo com um relatório de 2014 da Organização Mundial da Saúde, o país despendeu 9,3% do PIB com a área em 2012, mais do que Argentina (8,5%), Chile (7,2%), Rússia (6,3%). O que é muito baixo é o gasto público, que representa cerca de 43% das despesas totais — o restante é coberto pela saúde suplementar e pelo dinheiro que o cidadão tira diretamente do bolso. "A generosidade dos constituintes brasileiros não foi acompanhada pela construção de uma base econômica sólida, que desse sustentação a um sistema público universal", afirma o consultor de saúde pública Eugenio Vilaça Mendes. Segundo ele, em países que implantaram sistemas universais o gasto público representa 70% ou mais do total. Estados e municípios chegaram ao limite de contribuição com a aprovação da Emenda Constitucional 29, em 2012, que fixa os recursos mínimos a serem investidos em saúde — 12% da renda bruta dos Estados e 15% dos municípios. Quem investe cada vez menos é a União: do fim da década de 1980 para o fim dos anos 2000, a participação do governo federal no total de recursos destinado à saúde caiu de 85% para 45%. "A experiência brasileira da vinculação de recursos dos orçamentos estaduais e municipais foi positiva no sentido de aumentar os gastos com o SUS. Resta, agora, ajustar os gastos federais, de forma gradual", afirma Mendes.

O que diz o programa de governo dos candidatos: Os programas de Aécio Neves e Marina Silva abordam o fato de que o repasse do governo federal não acompanhou o dos governos estaduais e municipais, e de que essa discrepância precisa ser corrigida. Ambos apoiam o projeto de lei de iniciativa popular de vincular 10% da receita bruta da União para a saúde. Já o programa de Dilma Rousseff não toca no assunto. Enxutíssimo, o texto apresentado pela candidata dedica apenas dois parágrafos à saúde.

Reduzir o desperdício de dinheiro

Não basta ter mais dinheiro — é preciso ser mais eficiente na gestão dos recursos. Bilhões de reais investidos na saúde são jogados no lixo todos os anos. Nos Estados Unidos, o Instituto de Medicina, uma entidade não governamental, calculou que um terço do dinheiro gasto no sistema do país vai para o ralo. Ninguém fez esse diagnóstico no Brasil, mas a estimativa é de que o desperdício seja nessa proporção ou maior. Em 2008, o relatório Desempenho Hospitalar Brasileiro, feito pelo Banco Mundial, mostrou que os hospitais são ineficientes e gastam mal seus recursos. O estudo analisou 428 estabelecimentos públicos e privados e comparou a produção e o gasto de cada um. Em uma escala de 0 a 1, a pontuação média de eficiência técnica foi de 0,34 — baixíssima. De acordo com o consultor em economia da saúde Bernard Couttolenc, um dos autores do documento, há desperdício de todos os lados: custos administrativos, falta de investimento em medidas preventivas, falhas na organização, entre outros. "A cultura da gestão profissionalizada, baseada em resultados, é relativamente recente nas instituições de saúde brasileiras", afirma Libânia Paes, coordenadora do curso de especialização em administração hospitalar da FGV/EAS.

O que diz o programa de governo dos candidatos: O programa de Marina Silva é o único a abordar a gestão de custos, dizendo que ele precisa ser mais eficiente e propondo reformular o atual modelo de gestão hospitalar no SUS. Embora não fale diretamente sobre reduzir o desperdício de dinheiro, o programa de Aécio Neves prevê mudanças de gestão, como conceder autonomia em todos os níveis da rede pública, processos otimizados para controles internos e iniciativas que incentivem a desospitalização, entre outros itens. Já o programa de Dilma Rousseff não aborda o tema da gestão.

Definir critérios e prioridades

Tratar de graça todos os pacientes, com todos os tratamentos existentes, é uma meta que nenhum país consegue cumprir. Em lugares como França e Inglaterra, os remédios e os procedimentos ofertados pelo sistema público são pré-definidos, baseados em custo-efetividade e em prioridades. "É preciso ter limites, estabelecidos de maneira transparente e formal, referendados pela sociedade. E o Brasil não precisa reinventar a roda. Esses critérios estão bem estabelecidos em outros países. Basta copiar", afirma Bernard Couttolenc. Essa medida reduziria as cobranças judiciais de saúde, que estão criando um sistema público de dois tipos: um para quem pode recorrer e ter acesso a qualquer tratamento e outro para o resto da população. "Essa discussão ainda nem começou no Brasil, estamos atrasados", diz Marcos Bosi Ferraz, diretor do Grupo Interdepartamental de Economia da Saúde da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Ferraz cita como exemplo o câncer de mama. "Com os recursos de hoje, não dá para investir na prevenção e no tratamento de casos avançados ao mesmo tempo. É preciso fazer uma escolha de Sofia: apostar no hoje e fazer menos prevenção ou limitar o tratamento e investir no amanhã?".

O que diz o programa de governo dos candidatos: Marina Silva propõe acordar com o Poder Judiciário e com o Ministério Público "parâmetros para o acolhimento de demandas individuais de procedimentos e de medicamentos de alto custo". Aécio Neves não aborda o tema diretamente, apenas propõe "atenção adequada" a doenças ligadas ao envelhecimento e às mudanças da sociedade, assim como às enfermidades que geram maior carga de mortalidade. O tema não é mencionado pelo programa de Dilma Rousseff.

Ampliar o programa de atenção básica

Um dos avanços da saúde pública brasileira desde o advento do SUS é expansão da atenção básica. De 1988 a 2014, a quantidade de equipes do Programa Saúde da Família (PSF) aumentou de 4 000 para mais de 37 300, com a cobertura abrangendo 58% da população brasileira. Essa iniciativa teve impacto na saúde da população: reduziu a mortalidade infantil e a morbidade, por exemplo. Mas não é suficiente: o programa deveria atingir, pelo menos, os 75% dos brasileiros que dependem do SUS e, idealmente, os 25% restantes que utilizam a saúde privada. "Calcula-se que 80% dos problemas corriqueiros de saúde possam ser resolvidos com uma boa análise de um clínico geral, quase sem necessidade de nenhuma sofisticação tecnológica", afirma Marcos Bosi Ferraz. Por falta de atenção básica, as pessoas recorrem ao pronto-socorro para tratar problemas banais, ocupando leitos e profissionais que deveriam atender casos graves. "O correto seria ter uma rede em que as pessoas fossem estimuladas a procurar primeiro um generalista, e até impedidas de se consultar com um especialista sem passar pelo clínico", afirma Ferraz.

O que diz o programa de governo dos candidatos: A atenção básica é um dos pilares do programa de Marina Silva para a saúde. O texto prevê universalizar o PSF, aumentar os investimentos na atenção básica para, no mínimo, 30% do orçamento em saúde, incluir profissionais de nutrição nas equipes e dialogar com estados e municípios, "sem interferência político-partidária", entre outras medidas. O de Aécio Neves afirma que vai fortalecer, qualificar e ampliar o PSF, incorporando mais profissionais e profissões. Já o programa de Dilma Rousseff prevê genericamente a expansão do Mais Médicos e das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs).

Criar uma rede integrada

Em países como Espanha, Canadá e Inglaterra, uma pessoa não pode, como no Brasil, bater na porta de qualquer hospital para tratar uma crise de infecção urinária. Ela precisa recorrer a uma unidade de saúde de seu bairro, onde está cadastrada, e passar por uma consulta com um clínico geral. Se o médico achar necessário, o paciente será encaminhado para um centro de média ou de alta complexidade. Essa ausência de organização em rede é apontada como uma das grandes falhas do sistema de saúde brasileiro, público e privado. "Não existe um mecanismo de comunicação entre os hospitais e os centros de saúde regionais. Sem esse encaminhamento, o paciente pode pipocar em cinco, seis hospitais até conseguir uma vaga", afirma Bernard Couttolenc. Esse sistema fragmentado, baseado na atenção às condições agudas, tende a apresentar ainda mais problemas, na medida em que a população engorda, envelhece e, por consequência, desenvolve mais doenças crônicas. "Evidências robustas demonstram que países que organizam seus sistemas de saúde em redes coordenadas pela atenção primária apresentam resultados sanitários e econômicos melhores do que aqueles que não o fazem", diz Eugenio Vilaça Mendes.

O que diz o programa de governo dos candidatos: Uma das principais propostas de Aécio Neves ao setor é a criação do Cartão Cidadão da Saúde, por meio do qual a pessoa teria acesso a uma rede de saúde, pública ou privada. Um sistema de tecnologia da informação permitiria a gestão dos serviços de saúde, por meio de centrais de agendamento e de um modelo de gestão baseado em redes assistenciais. O programa de Marina Silva prevê, genericamente, que a "perspectiva de ampliar o acesso à atenção básica deve ser articulada a esforços para melhorar o encaminhamento às especialidades, urgências e procedimentos de média e alta complexidade". O programa de Dilma Rousseff não trata da organização em rede.

Corrigir as desigualdades regionais

O relatório Desempenho Hospitalar no Brasil, do Banco Mundial, revelou que a taxa de ocupação média dos leitos nos hospitais brasileiros é de apenas 40%. Parece estranho falar em leitos desocupados, quando o panorama típico dos hospitais é a superlotação. De acordo com o documento, os leitos estão mal distribuídos: faltam em alguns lugares e sobram em outros. A superlotação é uma realidade dos grandes hospitais nos centros urbanos. Já os hospitais pequenos, com menos de 50 leitos — que representam 65% do total — são subutilizados, com taxa de ocupação de 10 a 20%. "Esse cenário se deve, em parte, ao fato de o SUS ser um sistema novo, mas principalmente à mentalidade política de olhar de curto prazo. Nós não temos lideranças que discutem com a sociedade o sistema de saúde que queremos para daqui a dez ou vinte anos", diz Marcos Bosi Ferraz.

O que diz o programa de governo dos candidatos: Dos três candidatos, apenas o programa de Marina Silva destaca a distribuição irregular de leitos hospitalares no Brasil. Ela promete construir 100 hospitais voltados ao atendimento regional e equipar todas as 435 regiões de saúde do país com uma policlínica de atendimento de média complexidade.


Autor: Marcella Centofanti
Fonte: Veja Online

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