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Os vilões do preço dos remédios
 
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16/04/2015

Os vilões do preço dos remédios

Interfarma vê tributação e regras do setor entre os fatores que dificultam acesso a medicamentos

A culpa pelo preço dos remédios é uma conta que a população normalmente atribui à indústria farmacêutica, tendência que se acentua na medida em que este mercado é liderado por grandes companhias de capital estrangeiro. A Interfarma, entidade que reúne os laboratórios farmacêuticos que atuam no Brasil, não questiona que o acesso dos brasileiros a medicamentos deveria ser ampliado e os preços poderiam cair significativamente, mas sustenta que a chave da mudança não está dentro, e sim, fora da indústria. No discurso da Interfarma, que é comandada pelo ex-ministro da Previdência e ex-governador do Rio Grande do Sul Antonio Britto, um dos vilões é o próprio governo – principalmente em razão da carga de impostos sobre os remédios.

Outro alvo de críticas é a estagnação da pesquisa para desenvolvimento de novos medicamentos no Brasil. O país estaria ficando de fora dos chamados estudos multicêntricos (realizados simultaneamente em várias nações) pela morosidade das agências reguladoras brasileiras na avaliação dos projetos. “Parece ser aquele negócio de dizer nós aqui não vamos ser cobaia do mundo, mas em todos os países a pesquisa clínica é feita do mesmo modo”, diz o diretor de Acesso da Interfarma, Pedro Bernardo (foto). Veja, a seguir, a entrevista que ele concedeu ao Portal AMANHÃ.

O acesso da população a medicamentos eficazes e a um custo mais baixo é sempre apontado como algo que depende de vários fatores. Qual o mais importante deles, na agenda Interfarma, hoje? O que está no topo de sua agenda, como diretor de Acesso?

Olha, essa questão do tributo ocupou bastante nosso tempo no ano passado e no início desse ano. Nós fizemos, inclusive, um trabalho junto à população. Pegamos 2 milhões e 600 mil assinaturas, levamos uma proposta ao Congresso, onde há uma frente parlamentar pela defesa da desoneração de impostos em medicamentos. Foi criada, no Congresso, uma comissão especial exclusivamente para tratar desse assunto. Aliás, tem inúmeros projetos de lei que tratam disso.

A multiplicidade de projetos é um complicador?

A ideia era unir todos esses projetos e fazer uma discussão de modo que se reduzisse a carga sobre medicamentos. Muito se diz que “a carga tributária é para todos os setores”. É verdade. Mas o setor de saúde não deveria ter a mesma carga de outros setores. Vejamos, por exemplo, o automóvel em São Paulo. O ICMS sobre o carro é 12% e sobre o medicamento é 18%. A Constituição brasileira estabelece que o direito de tributar do Estado, do governo federal, deve observar a essencialidade do bem. E o legislador tem que levar em conta a essencialidade do bem para a população. Você não pode colocar um bem que não é essencial com uma carga tributária muito inferior a um bem que é essencial à população.

Sob esse ponto de vista, é flagrante a disparidade. Mas o setor automotivo sempre poderá alegar a força da cadeia automotiva como geradora de empregos e o efeito multiplicador que tem sobre a economia. Que paralelo pode ser feito com a cadeia da indústria farmacêutica?

Olha, o primeiro aspecto a considerar, no nosso caso, é que são mais de 200 milhões de vidas que a gente impacta, não é? Esse é o principal impacto... Geração de emprego é fundamental, sim, mas depois da vida, não é verdade? Entrando na questão econômica da pergunta, nosso setor gera aproximadamente 100 mil empregos diretos. Somando-se os empregos indiretos, na cadeia, creio que tenhamos aí algo em torno de 700 mil. E se trata de uma mão de obra mais qualificada, com salário mais alto, na medida em que se indústria farmacêutica desenvolve produtos de alta tecnologia, que precisa não só de pessoas graduadas mas, também, de mestres e doutores.

A Interfarma divulgou um relatório, recentemente, e pelos números se constata que o Brasil não consegue deslanchar na exportação de fármacos. Por quê?

Nós estamos trabalhando já há algum tempo com projeto para que a gente conseguir aumentar as nossas exportações. Nós achamos que temos um potencial grande para exportar e isso não está sendo aproveitado porque não está sendo incentivado pelo governo. O Brasil hoje está no 27° lugar em exportação de medicamentos. Compare, nós temos o 6° maior mercado interno do mundo e estamos em 27° lugar entre os países que mais exportam medicamentos. Já na importação, nós estamos em 8º lugar. Ou seja, nós precisamos melhorar nossa exportação. Importar todos os países importam, mas são importadores e exportadores, não só importadores. A Alemanha, por exemplo, exporta 75 bilhões de dólares em medicamentos. Ou seja, a exportação de medicamentos da Alemanha é mais de três vezes o mercado brasileiro de exportação {de fármacos} – e o , mercado interno deles é parecido com o nosso. Então, o que nós achamos é que se for dada uma atenção maior ao que emperra as nossas exportações, nós vamos poder estar contribuindo muito mais. E ajudando a equilibrar esse déficit comercial grande que existe no setor de medicamentos, que é de alta tecnologia, gera empregos qualificados e significa exportação de alto valor agregado.

A tributação é o principal entrave para a exportação de medicamentos?

Não é o único, mas é um dos aspectos importantes. Tem muito a questão do custo Brasil, a regulação, a lentidão dos sistemas. Às vezes, uma coisa simples complica uma exportação. Às vezes, para exportar, uma empresa tem que fazer operações internas que são totalmente, vamos dizer assim, cartoriais...

Cartoriais no sentido de exigir um carimbo, um trâmite desnecessário?

Pode ser um carimbo... Ou outras providências que envolvam inspeção, aprovação no ministério, coisas que levam tempo, que são complicadas dentro da lentidão das estruturas no Brasil. E tudo isso assusta o empresariado, cria um empecilho, porque as empresas têm um capital girando lá fora, e como você vai explicar esta lentidão daqui lá fora? Por isso estamos procurando o governo, tentando mostrar onde é que as coisas estão sendo dificultadas, lentas, emperradas, para que os negócios, e as exportações, possam fluir melhor no Brasil.

Qual é a diferença de tributação sobre medicamentos entre o Brasil e outros países?

A Interfarma fez um estudo para comparar e em vários países o tributo sobre consumo de medicamentos é zero. Zero. Aqui, se você pegar o ICMS no Rio de Janeiro é 19%. Em São Paulo, se você somar 12% de PIS/Cofins, mais 18% de ICMS, você tem 30%. E como no Brasil o imposto é calculado por dentro, isso quer dizer que esse percentual de 30% dá um aumento de mais de 40% no preço final do medicamento, entendeu? Aí você soma todos os demais tributos e taxas, mais imposto de importação... tudo isso aí sobrecarregando. E há tributos que, para a exportação, têm um efeito importante, e dificultam que o Brasil faça parte de cadeias globais de produção. Se o Brasil quiser fazer parte destas cadeias, terá de se abster de tributar certos produtos na entrada e na saída do país, ou tem de tributar na mesma proporção com que os demais países tributam. Do contrário não seremos competitivos o bastante para fazer parte destas cadeias globais de produção. O Brasil às vezes é lento e demora a entender estes processos e a participar deles.

O Brasil está ficando para trás nas pesquisas de novos medicamentos?

Sim, porque a gente perde as pesquisas no Brasil. A maioria das pesquisas são realizadas em vários países ao mesmo tempo. Os outros países levam em média três meses para aprovar sua participação neste tipo de pesquisa que envolve estudos internacionais. Já o Brasil tem dois órgãos para aprovar: a Anvisa e a Conep {Comissão Nacional de Ética em Pesquisa}. Doze meses depois da solicitação, a Conep dá o OK para poder fazer a pesquisa no Brasil. Mas aí os outros países já começaram. E, como nesse tipo de estudo internacional tudo tem de ser feito simultaneamente em vários países, a gente, no Brasil, fica fora da pesquisa. E quem perde? Perdem os médicos brasileiros, perdem os cientistas, os pesquisadores brasileiros, perdem os pacientes brasileiros, perde-se o conhecimento de como esses produtos agem no perfil da população brasileira, perde-se tudo isso. Perde toda essa comunidade que trabalha com pesquisa, porque se você não tem a pesquisa, você não contrata o pesquisador. Então, mesmo que seja universidade, ou um centro de pesquisa independente, não consegue fazer, porque se não tiver a aprovação destes órgãos, a pesquisa não começa. Quer dizer, nós somos um país que tem um discurso a favor da inovação e da pesquisa, mas na realidade nós temos uma dificuldade de implementar isso com a mesma velocidade dos outros países.

E você atribui essa diferença de velocidade a uma trava ideológica ou cultural contra a pesquisa? Um certo apego a controles burocráticos?

Olha, é difícil de dizer, talvez tenha um pouquinho de cada coisa. Mas é aquele negócio de dizer assim: “Nós aqui não vamos ser cobaia do mundo, não vamos fazer a pesquisa porque vai usar o brasileiro de cobaia...”. Olha, toda pesquisa, em qualquer país, seja Estados Unidos, Alemanha, França, etc vai ser feita do mesmo jeito, com as mesmas regras, com o mesmo cuidado, com a mesma ética. Do mesmo jeito que é feita lá, é feita aqui. É a mesma coisa. Estamos falando de pesquisas que são feitas com os mesmos produtos simultaneamente e com o mesmo modelo de pesquisa. Então, na hora que esses outros países aprovam ou não aprovam, mas tomam uma decisão em três meses, eles não estão sendo menos rigorosos, menos cuidadosos com a sua população, ou seja lá o que for, do que a gente, que leva doze meses. O tempo que levamos não determina que sejamos muito mais cuidadosos que os outros países, nem indica que estamos mais preocupados do que eles com possíveis desvios de ética em uma pesquisa. As pesquisas têm regras, e a gente quer, sim, que sejam olhadas e sejam respeitadas essas regras. Agora, o que a gente acha é que se os outros conseguem fazer em menos tempo, nós também temos de conseguir.

Crítica semelhante havia, em meados dos anos 90, ao trâmite dos pedidos de pesquisa das variedades transgênicas de cultivo, que passavam pela CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança).

No nosso caso, temos o Conselho Nacional de Saúde, que é formado por ONGS e representantes de diversos setores. Se você olhar a composição do Conselho Nacional de Saúde, ao qual está ligada a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), verá que são diversos segmentos da sociedade que tem pensamentos de todos os tipos. Os representantes de movimentos sociais são legítimos, mas não detém conhecimento suficiente, muitas vezes, sobre aquilo que está sendo levado para uma tomada de decisão envolvendo ciência e tecnologia.

A Interfarma vê um distanciamento entre universidades e a indústria farmacêutica?

Você tocou em um ponto muito importante. Se você pegar outros países onde há maior quantidade de patentes descobertas, onde há mais inovação, mais pesquisa sendo transformada em produtos industriais usados pela população, você vai ver que os pesquisadores, na grande maioria, estão dentro das empresas. E quando você olha os países onde existe menos depósito de patente, menos desenvolvimento do mundo acadêmico para o mundo prático, nesses países os pesquisadores estão mais concentrados dentro das universidades e do governo. Esse é o caso do Brasil. Mas qual é o motivo disso? Em parte, isto faz parte do que a gente ensina e bota na cabeça dos nossos estudantes, desde lá do início do primário até as universidades. E outra parte está no fato de o país não incentivar as pesquisas, ao não criar condições para que elas aconteçam e que elas impulsionem a inovação. Por uma série de razões, no Brasil os pesquisadores ficam nas universidades, fazendo um trabalho mais acadêmico, escrevendo paper, fazendo coisas que acabam não se transformando em um produto da vida real, e do mundo real, que gera emprego, que impulsiona a economia do país, como é a visão em países como os Estados Unidos. E a causa de tudo está lá na origem. Se o país dificulta, em vez de facilitar, a pesquisa nas empresas, o pesquisador não será contratado. E não vai sair nunca da universidade.

Antes da Interfarma, você trabalhou no Ministério da Fazenda, entre outras áreas do governo. E sabe, portanto, que o ajuste fiscal deverá ser rigoroso e dar pouca margem para suavização da carta tributária, não?

É, eu sei... Veja, diminuir a carga tributária nunca foi uma conversa fácil. Por mais que a gente insista, todo ano que chega ouvimos que “esse ano está complicado”. Claro que esse ano está pior do que o anterior, mas a gente não pode deixar de continuar a luta, porque é uma luta que é socialmente justa. Eu acho que se você ler a Constituição, você vai concluir que, poxa, não pode ter imposto em medicamento. Porque o raciocínio é simples. Ali está dito que saúde é direito da população, e que é um dever do Estado prover a toda população saúde e assistência. Então, o Estado deveria prover o medicamento e aí a gente não tinha o que falar de imposto. Agora, o Estado, além de não prover, não cumprir o que está na Constituição, vem ainda querer ganhar em cima daquilo que não faz e a população tem que fazer com o dinheiro do seu próprio bolso... Isso aí já é um abuso. Você não conseguir que o Estado cuide da sua saúde, dê alguma assistência na área de medicamento, na área farmacêutica, e ainda por cima vai ver o Estado cobrar 30% em cima do que você vai pagar do seu bolso para um filho que está doente, um pai que está doente, um aposentado... E esta carga, obviamente, não será só de 30%... Então, quando se fala em dar incentivo para as montadoras porque “ah, o setor automotivo gera emprego”. Nós também geramos emprego, mas nós não estamos falando de emprego. Estamos falando de uma outra coisa maior que é a vida.


Autor: Eugênio Esber
Fonte: Amanhã

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