Maria Alice deseja mastigar um pedaço de costela. Berenice tem vontade de comer pipoca. E Nelzi chega a sonhar que está devorando um milho verde. Amigas que só sorriem entre elas e moradoras do Bairro Restinga, em Porto Alegre, as três fazem parte da metade da população da Capital – um número estimado em 700 mil pessoas – sem acesso à prótese dentária via Sus. Na Capital, 69 mil pessoas com mais de 18 anos não têm dentes, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do IBGE.
A líder comunitária Nelzi Alves, 57 anos, esconde a boca ao apertar a mão de quem não conhece. Sem os cerca de R$ 2,5 mil necessários para as próteses que aliviariam o martírio de não sorrir, Nelzi conta ter enfrentado a depressão por conta da falta de dentes. Com problemas dentários a líder retirou três dentes da parte inferior, que juntaram-se aos outros cinco inexistentes.
– Achei que conseguiria a prótese pelo Sus, mas moramos numa área que não tem este serviço. No meu caso, que lido com o público, os dentes são o cartão de visita – lamenta.
Convênio adiado
Em Porto Alegre, quem mora nas zonas Leste, Oeste e Sul está excluído do serviço da Secretaria Municipal de Saúde, oferecido há nove anos por meio de convênio com o Grupo Hospitalar Conceição (GHC). Segundo a coordenadora da área técnica de Saúde Bucal da Secretaria, Evelise Tarouco da Rocha, as próteses só podem ser fornecidas para moradores das regiões Norte, Noroeste e Nordeste da cidade.
Um novo convênio com a Ufrgs, que atenderia às regiões sem o serviço, foi postergado deste ano para ser assinado só em 2016.
– Antes de fecharmos o convênio, precisamos credenciar os estabelecimentos que farão a parte laboratorial. Depois, treinar as equipes. A expectativa é de fechar o convênio daqui a um ano – resume Evelise.
Promessa
Para piorar a situação da população desprivilegiada da Capital, as sete unidades de saúde que têm equipes de saúde bucal, mas que hoje não contam com dentistas, estão localizadas na Zona Sul. Quatro delas são no Bairro Restinga. A promessa, desta vez, é de que recebam novos especialistas até o final do próximo mês.
Pela atual situação, Nelzi, a escriturária aposentada Berenice Pereira, 57 anos, e a auxiliar administrativo aposentada Maria Alice Pereira Feijó, 55 anos, seguirão sem sorrir.
Berenice tirou os três dentes da frente no ano passado. Hoje, não se sente à vontade nem para comer pipoca. Já Maria Alice, que perdeu sete dentes da arcada dentária inferior, admite suas dificuldades:
– Tem vezes que não consigo nem falar direito, porque a saliva vai no rosto da pessoa com a qual estou falando. A vergonha é muito grande.
É preciso morar no lugar certo
De acordo com a coordenadora da área técnica de Saúde Bucal da secretaria, Evelise Tarouco da Rocha, o Centro de Especialidades Odontológicas do GHC distribui, em média, cem próteses mensais. Pelo contrato com a prefeitura, cada uma custa R$ 150. Os recursos são do programa federal Brasil Sorridente.
Hoje, o GHC atende às solicitações que chegam de 49 unidades de saúde de Porto Alegre, localizadas nas zonas Norte, Eixo-Baltazar, Noroeste, Humaitá-Navegantes, Ilhas e Nordeste da cidade.
Os números na Capital
– Porto Alegre conta com seis Centros de Especialidades Odontológicas (CEO’s): Santa Marta, Bom Jesus, Vila dos Comerciários, IAPI, Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Hospital Nossa Senhora da Conceição.
– Todos os CEO’s fazem os seguintes procedimentos: cirurgia, atendimento a pessoas com deficiência, tratamento de canal, tratamento de doenças da gengiva e serviços de diagnóstico bucal.
– Apenas o CEO do Hospital Conceição produz próteses dentárias na Capital.
– Das 142 unidades de saúde, 107 têm equipe de saúde bucal na cidade.
– A prefeitura tem 379 profissionais na área (271 dentistas, 152 auxiliares e 74 técnicos).
