Empresas de segmentos totalmente distintos à saúde e sem qualquer vínculo cooperativo ou de classe com o consumidor, como as grandes lojas de departamento, comercializam planos de saúde da mesma forma que vendem as coleções da estação. O alvo da vez são os produtos odontológicos que agora deixam de ser vendidos como planos coletivos para ganhar a denominação de um produto individual ou para família.
Uma espécie de manobra do segmento varejista para driblar as novas regras da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que proíbe o comércio de planos coletivos por pessoas jurídicas que não tenham vínculo com o consumidor.
A venda de planos de saúde por lojas de departamento, associações de bairros e clubes, entre outros, foi proibida exatamente para fechar o cerco sobre o crescimento dos falsos planos coletivos que não representam de forma adequada os interesses dos usuários. Apesar de a ANS afirmar que a comercialização dos planos individuais deve ser um contrato firmado diretamente entre operadora e consumidor, sem intermediários, nas lojas de departamento são os próprios vendedores de cartão de crédito que oferecem o serviço e fecham negócio com o cliente, que muitas vezes não tem qualquer informação sobre a operadora por trás do contrato.
O panfleto promocional do produto odontológico oferecido pela C&A, por exemplo, lista algumas vantagens do serviço. Em um dos pontos destacados é possível ter ideia da adaptação do mercado às novas regras da agência: “Agora o plano é individual”. Em larga escala, o comércio corre solto, com preços variando entre R$ 12 e R$ 23 mensais, debitados diretamente no cartão da loja (private label).
O serviço, que já conta com campanhas publicitárias, e sites específicos para vendas na internet, não é recomendado pelas associações de defesa do consumidor, que, além de se surpreenderem com a existência da modalidade, apontam falhas e riscos no processo. “A saúde é um direito fundamental, é algo muito sério e não deveria ser negociada no balcão de uma loja de departamento. A ANS não deveria ficar alheia a esse movimento do mercado, que acaba desvirtuando os planos de saúde”, alerta Daniela Trettel, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
Falta informação
A forma como o plano de saúde é negociada, sem informações claras ao futuro usuário, é uma das polêmicas que envolvem a modalidade. “Como uma vendedora de loja pode estar preparada para explicar ao consumidor sobre a operadora e esclarecer como o serviço funciona? O mais adequado é que o interessado em adquirir o plano procure diretamente a operadora de saúde”, analisa Daniela.
De fato, nas lojas em que a reportagem buscou informações sobre o serviço – Riachuelo, C&A e Marisa –, as vendedoras não souberam dar informações sobre a operadora de saúde e muito menos tinham conhecimento sobre as modalidades coletiva e individual. O mesmo vale para os sites criados especificamente para a venda. Em uma das lojas, a atendente chegou a classificar uma lista de serviços de radiologia, próteses e ortodontia como atendimentos “bem supérfluos”, para justificar o fato de estarem de fora da cobertura listada no panfleto promocional.
As novas normas da saúde suplementar entram em vigor em 3 de novembro. As regras proíbem que pessoas jurídicas contratem planos coletivos de operadoras registradas na ANS, reunindo beneficiários sem vínculos. O sistema rendeu diversos conflitos ao setor principalmente envolvendo o direito do consumidor à coberturas. “Os planos de saúde individuais continuam sendo comercializados somente por operadoras registradas na ANS, sem intermediários”, ressaltou a agência por meio de sua assessoria de imprensa. As lojas de departamento Marisa, C&A e Riachuelo foram procuradas, mas não responderam à reportagem.