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Técnica de edição do DNA é esperança de combate a doenças
 
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26/01/2010

Técnica de edição do DNA é esperança de combate a doenças

Após muitos anos de desenvolvimento, biólogos aprenderam como modificar o sistema de reconhecimento de DNA da natureza e transformá-lo em um sistema geral de manipulação de genes

Apenas um homem parece ter sido curado da Aids, um paciente que também tinha leucemia. Para tratar a leucemia, ele recebeu um transplante de medula óssea em Berlim de um doador que, por sorte, era naturalmente imune ao vírus causador da Aids.

Se aquela mutação natural pudesse ser copiada em células sanguíneas humanas, os pacientes receberiam imunidade contra o vírus mortal. Porém, não há forma eficaz de fazer alterações precisas no DNA humano.

Mas isso pode estar prestes a mudar, se uma nova e poderosa técnica de edição do texto genético se mostrar segura e eficaz. Na Universidade da Pensilvânia, Carl June e colegas usaram a técnica para interferir em um gene nas células T de pacientes, o tipo que é atacado pelo vírus da Aids. Eles então infundiram essas células de volta ao corpo. Exames clínicos estão em andamento para verificar se as células tratadas irão reconstituir o sistema imunológico de um paciente e combater o vírus.

A técnica, que depende de agentes naturais chamados de "dedos de zinco", pode reviver a terapia genética porque vence a impossibilidade de inserir novos genes num local determinado. Outros pesquisadores planejam usar essa técnica com dedos de zinco para oferecer tratamentos genéticos para doenças como hemofilia e anemia falciforme.

Em princípio, a abordagem do dedo de zinco deveria funcionar em quase qualquer local em qualquer cromossomo de planta ou animal. Se for assim, ela pode oferecer um método geral para gerar novas plantações, tratar muitas doenças humanas, e até fazer mudanças hereditárias em espermatozóides ou óvulos humanos, se essas intervenções forem consideradas eticamente justificáveis.

Os dedos de zinco são componentes essenciais de proteínas usados por células vivias para ativar e desativar genes. O nome deriva do átomo de zinco que une duas linhas de proteínas para forma um "dedo". Pelo fato de que os dedos reconhecem sequências específicas de DNA, eles guiam as proteínas de controle para o local exato onde seu gene-alvo começa.

Após muitos anos de desenvolvimento, biólogos aprenderam como modificar o sistema de reconhecimento de DNA da natureza e transformá-lo em um sistema geral de manipulação de genes. Cada dedo de zinco natural reconhece um conjunto de três letras, ou bases, na molécula de DNA. Ao alinhar três ou quatro dedos, os pesquisadores podem gerar proteínas artificiais que combinam com um local particular.

O novo sistema foi desenvolvido por uma pequena empresa de biotecnologia, a Sangamo BioSciences, de Richmond, Califórnia, e de alguma forma separadamente por pesquisadores pertencentes ao Zinc Finger Consortium.

A Sangamo foi fundada em 1995 por Edward O. Lanphier II, ex-executivo de uma empresa de terapia genética. Ao ler um artigo de Aaron Klug, o cristalógrafo britânico que descobriu o formato do dedo de zinco, ele viu o potencial da técnica para a manipulação genética. Ele comprou uma empresa que tinha sido fundada por Klug e trabalhou com ele e com pesquisadores como Carl O. Pabo para melhorar a técnica e desenvolver combinações de dedos de zinco para combinar com qualquer sequência de letras de DNA.

"Agora temos um alfabeto inteiro de dedos de zinco", disse Lanphier, "mas, quando começamos a empresa, era como digitar um romance só com dois dedos".

Proteínas dos dedos de zinco têm muito usos possíveis. Um é ligá-las a agentes que ativam ou desativam o gene no local reconhecido pelos dedos.

Os dedos de zinco podem ser empregados como um sistema de processamento de texto para recortar e colar o texto genético. Dois conjuntos de dedos de zinco são ligados a uma proteína que corta o DNA entre os dois locais relacionados aos dedos. A célula rapidamente repara o corte, mas às vezes isso interfere no gene. Essa é a abordagem usada na destruição do gene para o receptor usado pelo vírus da Aids a fim de entrar nos glóbulos brancos.

Ou, se o DNA para um novo gene é inserido numa célula ao mesmo tempo em que os dedos de zinco cortam o DNA, um novo gene será incorporado pelo sistema de reparação da célula no DNA no local de corte. A maioria das técnicas de terapia genética usa um vírus para transportar novos genes para uma célula, mas não consegue direcionar o vírus para inserir genes em locais específicos.

"Acredito que esta é uma tecnologia amplamente aplicável, que já permitiu a realização de experimentos que antes não eram possíveis", disse J. Keith Joung, biólogo que elabora proteínas de dedos de zinco no Hospital Geral de Massachusetts.

Daniel F. Voytas, geneticista de plantas da Universidade de Minnesota, disse que a técnica de dedos de zinco poderia permitir a engenheiros agrônomos modificar a composição de óleo de qualquer planta, os tipos de carboidratos produzidos ou a forma como o dióxido de carbônico é capturado. "Podemos entrar e fazer qualquer mudança em qualquer espécie de planta", afirmou Voytas.

Dedos de zinco também podem ser usados para posicionar vários genes benéficos em um só local. Isso evita altos custos regulatórios, pois as plantas geneticamente modificadas devem ser testadas para verificar sua segurança em cada local que é modificado.

A tecnologia de dedo de zinco levou vários anos para se desenvolver devido à dificuldade de elaborar os dedos e também evitar que eles cortassem o genoma no local errado. Apenas alguns poucos laboratórios estão usando a técnica atualmente, mas seus defensores esperam um rápido crescimento.

O Zinc Finger Consortium, fundado por Joung e Voytas, torna o método disponível gratuitamente, e pesquisadores só precisam pagar pelos materiais. No entanto, há uns 200 passos na receita de Joung para fazer os dedos de zinco, e é preciso muito tempo e dedicação para fazer tudo corretamente.

A alternativa é comprar os dedos de zinco. A Sangamo tem uma posição controladora da patente e concedeu licença à Sigma-Aldrich, uma grande empresa de ciências biológicas em St. Louis, para criar proteínas de dedos de zinco para pesquisas. O valor cobrado pela Sigma-Aldrich para uma proteína de dedo de zinco que corta o genoma no local de sua escolha é US$ 39 mil, com desconto para pesquisadores acadêmicos. Dedos de zinco que cortam genes humanos bastante conhecidos custam US$ 12 mil. A Sigma-Aldrich usa a tecnologia para gerar roedores com defeitos genéticos que imitam doenças humanas. Um ratinho esquizofrênico pode ser adquirido por US$ 100.

David Smoller, presidente da unidade de biotecnologia da Sigma-Aldrich, licenciou a tecnologia da Sangamo em 2006, quando sentiu que a empresa provou seu funcionamento. "Esta tecnologia é simplesmente maravilhosa", disse Smoller. "É um divisor de águas".

A Sangamo licenciou o uso de dedos de zinco para a Dow Agrosciences para criar novas plantações, e reservou usos médicos para si. A empresa tem quatro testes clínicos em andamento na segunda fase, incluindo tratamentos para neuropatia diabética e esclerose amiotrófica lateral.

Num esforço ambicioso para curar a Aids, a Sangamo e a Universidade da Pensilvânia iniciaram testes clínicos em fevereiro.

O vírus causador da Aids entra nas células T do sistema imunológico ao se unir a um receptor chamado CCR5, mas cerca de 10% dos europeus têm uma mutação que desativa o gene CCR5. As pessoas que herdam duas cópias desativadas do gene não têm CCR5 na superfície de suas células T, então o vírus da Aids não tem onde "pegar". Essas pessoas são altamente resistentes ao HIV.

Na abordagem dos dedos de zinco, as células T do paciente são removidas, e a tesoura do dedo de zinco é usada para desativar o gene CCR5. As células tratadas podem se multiplicar, então são re-injetadas no paciente. Em experimentos com roedores, as células tratadas acabaram tendo uma forte vantagem natural em relação às não tratadas, pois elas estão sob constante ataque do vírus da Aids.

Só o futuro dirá se os dedos de zinco tornarão prática a terapia genética. "É um pouco cedo demais para saber, já que os testes clínicos estão nos estágios iniciais", disse Dra. Katherine A. High, especialista em hemofilia da Universidade da Pensilvânia.

Dr. Matthew H. Porteus, geneticista pediátrico da Universidade do Texas, disse: "Acredito que isso tenha potencial para resolver muitos problemas que afligem o campo da terapia genética". Entretanto, Porteus observou que mesmo os dedos de zinco mais cuidadosamente elaborados pareciam cortar um pouco fora do seu alvo, um problema de segurança potencialmente sério.

Os dedos de zinco poderia ser o presente pelo qual os pesquisadores de células-tronco estavam esperando. Células-tronco tiradas de um paciente podem precisar ser geneticamente corrigidas antes do uso, mas até agora não havia forma de fazê-lo.

Dr. Rudolf Jaenisch, especialista em células-tronco do Whitehead Institute, em Cambridge, Massachusetts, relatou, em agosto, ter distinguido com sucesso três genes em células-tronco embrionárias induzidas com a ajuda dos cortes dos dedos de zinco criadas pela Sangano. "Essa é realmente uma ferramenta importante para as células-tronco embrionárias humanas", afirmou Jaenisch. A tecnologia ainda não atingiu a perfeição. Alguns dos dedos de zinco fornecidos pela Sangamo "funcionaram maravilhosamente", disse ele, mas outros não.

Dedos de zinco também podem tornar tecnicamente possível um procedimento que envolve questões morais que tem sido apenas uma possibilidade teórica – a alteração de células de óvulos ou espermatozóides humanos. Mudanças genéticas feitas atualmente se referem apenas a células do corpo, e morrem com o individuo. Todavia, as mudanças feitas a essas outras células seriam herdadas. Muitos estudiosos do campo da ética e outros afirmam que essa é uma ponte que não deve ser cruzada, já que, mesmo por razões médicas justificáveis, isso daria margem a outros tipos de mudança.

Vários cientistas estiveram relutantes em discutir o assunto, ou o descartaram ao afirmam que nem mesmo os dedos de zinco não atendem aos padrões de erro zero que seriam exigidos para esse tipo de engenharia genética. No entanto, eles são tão eficientes que apenas de 5 a 10 embriões precisariam ser tratados para que um alcance o resultado desejado.

Como linhas germinativas de roedores e peixes já foram alteradas com a técnica dos dedos de zinco, "em princípio não há razão para que uma estratégia similar não possa ser usada para modificar linhas germinativas humanas", disse Porteus. O tipo de doença que poderia ser melhor tratado com essa abordagem, se fosse eticamente aceitável, seria a fibrose cística, que afeta muitos tecidos diferentes. A doença poderia ser corrigida com óvulos não fertilizados, usando a técnica do dedo de zinco, afirmou Porteus. Entretanto, ele acrescentou: "Não acho que nossa sociedade esteja pronta para que alguém proponha isso".


Autor: Nicholas Wade - Tradução: Gabriela d'Avila
Fonte: The New York Times

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