Após uma semana de tensos debates, foi aprovada na 63º Assembléia Mundial de Saúde uma decisão dos estados-membros que estabelece um grupo que discutirá os mecanismos que permitirão lutar contra os medicamentos falsificados sem que haja qualquer confusão com os medicamentos genéricos. O Ministério da Saúde e o Itamaraty lideraram a negociação, que teve como base o texto de resolução proposto pela Unasul (União das Nações Sul-Americanas). A iniciativa é um passo significativo para a proteção da circulação de genéricos no mundo, que vinham tendo crescentes apreensões na Europa, quando rumavam para países em desenvolvimento.
Os países conseguiram, assim, reverter o processo iniciado na OMS (Organização Mundial de Saúde) de misturar discussões de medicamentos “contrafeitos” (onde se questiona marca e patente) e de medicamentos falsos (produzidos sem obediência às regras sanitárias). Se a discussão evoluísse nesses moldes atuais, os genéricos poderiam ter a sua circulação inibida. Na última semana, o Brasil e a Índia entraram com um questionamento na Organização Mundial do Comércio (OMC) para discutir a legalidade de apreensão dos medicamentos genéricos em portos da Europa. A alegação dos europeus é de que os produtos podem ser falsos por fraude a propriedade intelectual, mas as autoridades brasileiras entendem que há uma pressão comercial sobre a ação.
A partir de agora, com esta decisão, haverá um grupo de estados-membros que deve acompanhar e orientar o trabalho da Organização Mundial de Saúde sobre esse tema. Definirá, por exemplo, se o organismo internacional deve abandonar a discussão sobre medicamentos “contrafeitos”, tema que afeta somente as empresas, e manter-se exclusivamente no tema de falsificação, que atinge diretamente a saúde da população. Ressalta-se que a falsificação pode atingir tanto medicamentos de marca quanto os genéricos, pois não passam pelos rigores sanitários necessários para a sua circulação.
O grupo governamental também analisará o trabalho da Impact (Força-Tarefa Internacional Anti-Contrafação de Produtos Médicos), criada fora da estrutura da OMS que conta com representantes de vários setores, o que inclui aqueles que defendem a indústria farmacêutica. Com a proximidade de que várias marcas percam suas patentes nos próximos anos, a pressão internacional sobre o tema dos genéricos tem aumentado.
Os números mostram o potencial desse mercado. Somente no Brasil, entre 2002 e 2009, o mercado de genéricos triplicou. Eram responsáveis por 5,8% da comercialização de medicamentos e passaram a ser 19,2%. O total de vendas de medicamentos genéricos passou de R$ 588 milhões para R$ 4,8 bilhões, no período. Já o numero de registros passou de 213 (em 3.649 apresentações), em 2003, para 2.972 (em 15.405 apresentações) em 2009. Os preços dos produtos genéricos são até 65% menores do que os praticados no mercado. Os genéricos são medicamentos que tem patente vencida ou nunca tiveram uma patente reconhecida, mas possuem a mesma dose e forma farmacêutica do que medicamento de referência sendo exatamente em sua ação terapêutica.
A decisão na Assembléia Mundial de Mundial de Saúde coloca um grande peso político no cenário internacional sobre o tema. O embate feito pelo Brasil sob a coordenação do Unasul, apoiados por países da África e da Ásia, os colocou a frente dos países desenvolvidos da Europa e da América do Norte, entre outros. Reforçou-se também que o papel da OMS é exercido pela totalidade de seus estados-membros, mantendo as prioridades dos países na saúde pública, acima de qualquer outro interesse. O Ministério da Saúde brasileiro comemorou a decisão, que coloca a saúde pública acima dos interesses comerciais. O Brasil deve, agora, manter a discussão sobre o comércio desses produtos na OMC.
AIDS - O Brasil também movimentou a Assembléia Mundial de Saúde, na defesa da continuidade de um plano global de combate a aids. A resolução brasileira, que foi aprovada pela assembléia, obriga que OMS renove sua estratégia de combate à doença. Neste ano, as diretrizes do organismo internacional para o acesso universal ao tratamento da doença serão encerradas.
Para o Brasil, a ausência dessa estratégia no âmbito da OMS enfraqueceria o tema, e dificultaria a cobrança por resultados. O país argumentou que há necessidade de manter um grande esforço mundial, principalmente para que sejam alcançadas os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Agora, a OMS apresentará um plano para 2011-2015, que deve ser avaliado na próxima Assembléia Mundial de Saúde.
A delegação brasileira também apresentou e conseguiu a aprovação para que a OMS estabeleça diretrizes para a coordenação de programas de prevenção e controle das hepatites, além do fortalecimento dos sistemas de saúde em todos os países no combate à doença. Isso inclui estabelecer metas e estratégias para o controle das hepatites e utilizar as flexibilidades do acordo TRIPS (tratado da OMC sobre direito de propriedade intelectual) para garantir o acesso a medicamentos. Cerca de 2 bilhões de pessoas foram infectadas com o vírus da hepatite B em todo o mundo, dos quais mais de 350 milhões estão cronicamente infectadas. A doença mata entre 500 mil e 700 mil pessoas anualmente.