Uma terapia diferente tem auxiliado pacientes de longa permanência no Hospital Psiquiátrico São Pedro (HPSP), da Secretaria Estadual da Saúde, a retomarem sua autonomia e a prepararem sua reintegração à sociedade. Trata-se do Projeto-piloto da Unidade Morel, uma das Unidades dentro do HPSP que propõe a construção de um cotidiano mais próximo ao funcionamento de uma casa. O projeto estimula as habilidades individuais e a responsabilidade de cada um na utilização dos espaços, e desenvolve atividades dentro e fora da instituição que ampliam o nível de autonomia e contribuem para o processo de desinstitucionalização dos usuários-moradores.

Semanalmente, são realizadas atividades como a prática da culinária, onde os participantes aprendem a cozinhar, cuidar do espaço físico, escolher o cardápio, fazer compras e utilizar os utensílios para preparar e servir as refeições. A chefe da unidade, psicóloga Gisele Talamine, relata que os usuários-moradores cuidam da cozinha, que possuem para uso próprio. Segundo Gisele, com o preparo do alimento, eles resgatam suas histórias pessoais, lembram dos pratos que comiam, sua relação com a cultura da cidade e as relações de afeto que tinham antes de irem para a instituição. A atividade possibilita escolhas, aprendizado e desperta o desejo de desenvolverem novamente as relações de vida que perderam por conta da doença e da institucionalização.

Um usuário-morador que participa da atividade relata:

- Quando é possível, fazemos a nossa própria comida. Isso prova que podemos morar sozinhos e cuidarmos bem da nossa casa.

Para a estagiária de psicologia Priscila Maciel de Mesquita, há cinco meses no HPSP, a noção de responsabilidade, capacidade e reintegração é perceptível à medida que são criadas as atividades e se interage com eles. Cita um exemplo:

- Na época das eleições nos Estados Unidos, um paciente perguntou o que eu achava de o próximo presidente americano ser negro e a importância disso para o planeta. Isso mostra que o usuário se interessa pelo o que está em pauta na sociedade e compreende os assuntos que o cercam.

Um exemplo do progresso dos usuários é que, no início das atividades culinárias, eram disponibilizados garfos, porém, eles não aceitavam. Agora, a maioria já aceita comer com garfo e faca. A estagiária aponta que (re)aprender a cozinhar e arrumar a casa ajuda a dar um sentido de autonomia e de responsabilidade cotidiana.

De acordo com o psiquiatra do HPSP Abelardo Ciulla, os moradores da Unidade Morel, atualmente 25, são pacientes que possuem esquizofrenia crônica ou retardo mental, o que se enquadraria em casos mais graves da psiquiatria. No entanto, o médico ressalta o progresso dos pacientes com o trabalho realizado pela equipe de profissionais do Hospital para uma readaptação.

O projeto estabelece reuniões sistemáticas para que o cotidiano da Unidade seja feito de forma interdisciplinar. As reuniões agregam funcionários, estagiários e todos os colaboradores com a unidade. A partir das reuniões se busca estabelecer um plano terapêutico individual para cada morador e é compartilhado o cuidado de cada usuário-morador que está na Unidade, explica Ciulla.

Nas reuniões semanais de moradores se estabelecem os planos terapêuticos coletivos, organiza-se o cotidiano da Unidade e são compartilhados os anseios e formas de melhorar o cotidiano individual e coletivo. Para o psiquiatra, as atividades ajudam a retomar a individualidade:

- Há melhoras consideráveis quando esse tipo de tratamento é realizado. A equipe de profissionais procura incentivar a individualidade de cada morador, algo que é perdido quando há um surto. A capacidade de superação dos usuários é muito grande.

A diretora da DAUM (Direção de Atenção à Usuários-Moradores), psicóloga Vera Sebben, destaca que o estímulo à autonomia dos moradores é realizado com respeito as suas diferenças e, quando possível, as altas do hospital são viabilizadas para outras formas de moradia, como os Serviços Residenciais Terapêuticos, que são casas com cuidados em saúde mental inseridas na sociedade e devidamente regulamentadas pelo SUS.

Início

O Projeto Morel existe desde 11 de setembro de 2008, quando foi proposto um projeto piloto de desinstitucionalização das práticas de trabalho nas reuniões com todas as Unidades de Moradia. A equipe da Unidade Morel se dispôs a esse desafio, sem desconsiderar as iniciativas já existentes nesta e em outras unidades. Para dar início ao projeto, foi feita uma reunião geral da Unidade, onde participaram funcionários de todos os turnos e funções, bem como a direção do HPSP, na qual se discutiu a mudança das práticas de trabalho.

A equipe é formada por médico psiquiatra, médico clinico, psicóloga, enfermeira, auxiliares e técnicos de enfermagem, voluntários, roupeira, funcionários da limpeza, estagiários de psicologia, de educação física e colaboram com o trabalho residentes em saúde mental, foniatra e demais servidores/setores do HPSP que dão suporte ao funcionamento da Unidade.

Programas/Projetos relacionados:

- Reuniões de equipe e de moradores

- Cuidado com o espaço (higiene, aprendizado do uso adequado dos banheiros, o uso dos quartos, aquisição de móveis e equipamentos junto com os moradores, de acordo ao gosto pessoal);

- Passeios coletivos e individuais;

- Inserção em atividades de formação;

- Contato / visita a familiares;

- Resgate da história de vida pregressa;

- Aniversários comemorados individualmente com incentivo a presença de familiares e/ou outros vínculos importantes

- Inserção em atividades oferecidas pelo HPSP (Lavagem de carros, Oficina de Criatividade, horta);

- Grupo de estudos entre equipe - leituras, participação de eventos, congressos, cursos, reuniões;

- Transição para Serviço Residencial Terapêutico Morada São Pedro, Morada Viamão e outras moradias.