Entra ano e sai ano, a rotina parece não mudar. Assim que o inverno dá os primeiros sinais, a cama e o cobertor ficam mais convidativos, as receitas de massas e fondues ganham um gosto especial, e a distância entre a comodidade da sala quentinha e o frio inóspito da rua aumenta exponencialmente. Somado a isso, aquele chocolate quente relegado ao esquecimento durante os meses de verão se torna item obrigatório para aquecer o corpo e trazer conforto à alma. A combinação — que invariavelmente leva à tragédia, ou melhor, aos quilos a mais — à primeira vista, pode parecer inevitável. Afinal, ao mesmo tempo em que a temperatura vai caindo, o corpo tende à inércia e o metabolismo diminui. Mera ilusão.

O que a ciência tem comprovado é que o período de inverno pode ser um aliado da boa forma, já que as temperaturas baixas estimulam o organismo a gastar mais calorias para manter a temperatura corporal.

Tecido adiposo "marrom", a grande descoberta

Foi a descoberta do tecido adiposo marrom em adultos, há poucos anos, que trouxe um novo sopro de esperança na luta contra o excesso de peso. Diferente do tecido adiposo branco, aquele responsável por armazenar gordura, o marrom é encarregado de queimá-la. Sim, é uma gordura do bem. Em linhas gerais, o principal papel dele é fazer a termogênese, ou seja, produzir calor para que a temperatura do corpo se mantenha estável. E ele entra em ação sempre que sentimos frio, explica a endocrinologista Cristina Rolim Neumann, professora do departamento de medicina social da UFRGS.

Há muito tempo se sabia que este tipo de tecido, comum a vários mamíferos, estava presente em grande quantidade nos recém-nascidos, já que estes são incapazes de escapar, sozinhos, das baixas temperaturas. Os cientistas acreditavam que ele desaparecia gradativamente até ser eliminado em adultos. Entretanto, nos últimos anos, diversos estudos comprovaram que os depósitos de gordura marrom diminuem, mas não desaparecem do corpo. Uma recente pesquisa conduzida por cientistas da Austrália e Estados Unidos já identificou, inclusive, que tremer de frio pode queimar tanta gordura quanto fazer exercícios moderados. Mas isso não quer dizer que a solução para os quilos a mais é permanecer horas dentro de um uma geladeira.

— Estimular o aumento das células marrons deve ter um papel na redução/manutenção do peso. O problema é que a aplicabilidade destes estudos no tratamento da obesidade ainda é pequena. Ninguém cogita deixar as pessoas cronicamente no frio para emagrecer, até porque isso pode, inclusive, levar ao aumento do apetite — diz a endocrinologista.

Enquanto uma solução mágica não aparece, a recomendação é aproveitar o gasto energético extra que o organismo tem para manter a temperatura corporal estabilizada durante o inverno e intensificar os cuidados com o corpo e com a saúde, explica a nutricionista Tatiana Galdino, mestre em Gerontologia Biomédica:

— Estar exposto a uma temperatura de 15°C por três horas já é suficiente para aumentar a termogênese em 11,5%. No verão, esse aumento fica em torno de 7%. Portanto, o frio de Porto Alegre é mais do que suficiente para ativar o tecido adiposo marrom e consequentemente aumentar o gasto energético corporal.

O inverno, ao contrário do que muitos pensam, ajuda a emagrecer.

Encontrar uma atividade física prazerosa é boa estratégia

Para quem não consegue ter disposição para gastar energia sozinho, uma das melhores formas de não ceder à preguiça é contar com o estímulo de outras pessoas.

Para a secretária Neusa Marcon, 54 anos, a entrada em um grupo de corrida da Sogipa foi um divisor de águas. O incentivo dos colegas, segundo ela, foi fundamental para inserir a prática no seu dia-a-dia.

Há cinco anos participando de um grupo, onde corre pelo menos quatro vezes por semana, ela comenta que é nas conversas com os colegas de corrida que encontra a motivação para treinar nos dias mais frios:

— Vir aqui no final do dia e encontrar outros corredores é muito bom. Nós nos ligamos e enviamos mensagens frequentemente durante a tarde, e só de saber que um ou outro vem para o treino, me sinto mais motivada para vir também, mesmo que esteja chovendo ou a temperatura não seja animadora — conta.

E junto ao exercício, Neusa destaca a importância de cuidar a alimentação nas quatro estações do ano. Enquanto no verão prefere comer frutas antes de entrar na pista, no inverno opta por um sanduíche natural, já que o gasto calórico é maior:

— A orientação nutricional também foi muito importante para manter a motivação alta. Saber como se alimentar e preparar o corpo para a corrida é fundamental para não desistir pelo cansaço. Eu não faço dieta nem nada muito restritivo, apenas cuido da alimentação conforme a quantidade de exercícios e a época do ano — conclui.

Questões emocionais

Não é apenas porque na atual estação gastamos mais energia para manter a temperatura do corpo estável que sentimos mais fome.

Ou seja: infelizmente, o frio não é uma boa desculpa para se atirar naquele prato de massa ao molho de quatro queijos, nem para comer uma barra de chocolate a cada grau a menos no termômetro. O excesso de fome nesta época do ano está muito mais ligado a questões emocionais do que a uma real necessidade de repor as energias, explica o nutricionista Leandro Crippa Oliveira, do Hospital São Lucas da PUCRS:

— A alimentação sempre foi uma forma de comemorar, celebrar, de unir as pessoas, e com o inverno acabamos ficando mais tempo dentro de casa para nos proteger do frio. É natural que, com isto, se consuma mais alimentos, como uma forma de celebrar. Além disso, temos uma falsa sensação de que os alimentos ricos em gordura irão aquecer o corpo, o que não ocorre na prática.

Para o especialista, outro erro comum é que, como no inverno as pessoas usam mais roupas e não expõem tanto o corpo, não pensam duas vezes na hora de optar por repetir o prato:

— Quando decidimos cuidar da saúde e manter a forma física em dia, assinamos um compromisso, e ele deve ser duradouro e contínuo. Por essa razão, as mudanças definitivas nos hábitos alimentares e no estilo de vida são fundamentais para o sucesso, e devem ser seguidas independente da época do ano — ressalta Oliveira.