Algumas pessoas carregam sequelas da infância e adolescência e só conseguem superar o trauma na idade adulta, interrompendo o ciclo do sofrimento aos descendentes
Os traumas psicológicos podem acometer qualquer pessoa, de crianças a adultos, podendo gerar prejuízos severos a qualidade de vida quando não identificados e tratados a tempo. Quando não há tratamento, os traumas atingem não só quem sofreu o evento doloroso, mas também os mais próximos. Pais com transtornos psicológicos decorrentes de traumas podem replicar o trauma na relação com seus filhos estendendo os prejuízos por várias gerações. Os chamados “pais tóxicos”, que agridem física e psicologicamente, tal como foram agredidos anteriormente, causam sequelas que podem se arrastar por toda a vida de seus filhos, netos e bisnetos.
“Mesmo quando os pais alternam atitudes carinhosas e agressivas, o reflexo no desenvolvimento dos filhos ainda é negativo e as consequências dos comportamentos de duplo vínculo são agressividade, dificuldade de aprendizado, rebeldia, timidez e um enorme sentimento de culpa”, afirma o psicólogo clínico e doutor em Neurociência e Comportamento pela USP, Julio Peres. “Por isso, as sequelas das humilhações e dos maus-tratos precisam ser tratadas para que a criança, o adolescente ou mesmo esse adulto possam ter uma vida mais saudável.”
Segundo o psicólogo, muitas crianças crescem em ambientes desestruturados e acabam se afastando dos pais para poderem “sobreviver”. “Como exemplo, uma paciente trouxe a psicoterapia o tema culpa por ter sobrevivido e ao longo do processo conseguiu superar o trauma dos maus tratos de sua mãe interrompendo a herança de sofrimento que migrava de geração para geração. Uma de suas irmãs cometeu suicídio e outra irmã, também sem buscar tratamento especializado, repetiu o mesmo padrão de maus tratos com os sobrinhos, vítimas dos mesmos traumas da mãe e da avó.”, conta Julio Peres.
Experiências traumáticas podem criar oportunidades de crescimento pessoal através da introdução de novos valores e perspectivas para a vida. As psicoterapias atuais enfatizam as estratégias de superação utilizadas naturalmente por indivíduos resilientes (com a capacidade de atravessar situações traumáticas e voltar a qualidade de vida satisfatória).
“Para quem chegou à vida adulta traumatizado, a psicoterapia é um caminho para libertação do sofrimento e da continuidade transgeracional do mesmo. Revisitar memórias traumáticas pode ter benefícios terapêuticos, desde que um processo adequado de reestruturação cognitiva seja empregado, conforme temos mostrado em nossos estudos com neuroimagem. A história precisa ser contada e recontada de maneira a construir uma aliança de aprendizado e superação”, ressalta Julio Peres.
Curriculum Julio Peres
Psicólogo clínico e Doutor em Neurociências e Comportamento pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Fez Pós-doutorado no Center for Spirituality and the Mind, University of Pennsylvania e na Radiologia Clínica/Diagnóstico de Imagem pela UNIFESP. Autor dos dois únicos estudos Brasileiros que investigaram os efeitos neurobiológicos da psicoterapia através da neuroimagem funcional (Psychological Medicine 2007 e Journal of Psychiatric Research 2011, no prelo). Possui artigos científicos publicados sobre trauma psicológico, psicoterapia, resiliência, espiritualidade e superação. Pesquisador do Programa de Saúde, Espiritualidade e Religiosidade (PROSER) do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo. Autor do livro “Trauma e Superação: o que a Psicologia, a Neurociência e a Espiritualidade ensinam” editora ROCA. www.julioperes.com.br