Mesmo que nunca se tenha declarado guerra oficial ao câncer, essa retórica militar tornou-se popular há 40 anos, quando o presidente norte americano Nixon assinou o U.S. National Cancer Act, definindo grandes investimentos para busca de informação e cura da doença. Desde então, tivemos avanços. Para citar exemplos: a taxa de cura em câncer infantil se aproximou de 80%, algumas leucemias se tornaram doenças crônicas e câncer de colo de útero pode ser prevenido com vacina! Estes passos, entretanto, não foram acompanhados pela análise prática e cruel que o contexto impõe: não teremos dinheiro para contemplar a melhor medicina para todos! Os custos destes avanços são substanciais, com projeção global de praticamente dobrar na próxima década.
Países que gastam 16% do seu produto interno bruto (PIB) em saúde de forma geral, já reconhecem que faltarão recursos. O Brasil gasta menos do que 5% do PIB com saúde pública. Está, portanto, em uma condição ainda mais crítica. No livro “Ofertando Cuidados de Alta Qualidade em Câncer: Traçando um Novo Rumo para um Sistema em Crise”, o Instituto de Medicina dos Estados Unidos deixa clara sua conclusão: o sistema vigente é insustentável. Os medicamentos de câncer atingiram valores inacessíveis para qualquer tipo de sociedade e este silêncio sobre a pertinência do preço frente ao desfecho que o remédio traz já deixava muitos especialistas desconfortáveis. Gastando U$ 1 bilhão para desenvolvimento de remédios novos sem considerar que este remédio precisa efetivamente trazer avanços relevantes, temos que decidir critérios de prioridades, ou seja: quem é o eleito para usar estas tecnologias. Da mesma forma que alguns se recusam a acreditar que existem comportamentos, como tabagismo, que remetem para risco elevado de doença, se assinala que o sistema vigente segue um modelo danificado e a conseqüência pode ser a inviabilidade. Mesmo assim, poucas medidas práticas são adotadas para modificar este rumo. A Sociedade Americana de Oncologia Clínica finalmente deu destaque à farmacoeconomia., durante o seu congresso mais recente, em junho, em Chicago, produzindo um “scorecard” para ajudar o médico a comparar valores entre as opções disponíveis para cada cenário médico. A iniciativa deve ser prestigiada com debates regionalizados, uma vez que o valor atribuído como “custo-efetivo” varia conforme cada país.
Uma política de precificação de medicamentos também deve ser debatida com atenção. Difícil imaginar indústria na qual a competição tem impacto tão significativo quanto a indústria farmacêutica. Assim como a patente cria um monopólio de prazo limitado, a introdução de genéricos e cópias derruba preços e motiva inovações que são o fundamento de renovação da indústria. Ainda assim, formatos de negócio como "pay for delay" já existem. São acordos feitos pela indústria de referência com potenciais competidores para que não lancem seus produtos, mantendo o monopólio da droga original por mais tempo.
É fundamental ter orçamento realista, uma gestão sofisticada e uma regulação sustentada na ética, ou rumamos para o colapso do sistema.
Stephen Stefani, médico oncologista e pesquisador do Instituto do Câncer Mãe de Deus, é Presidente do Capítulo Brasil e Chair do Comitê Latino Americano da Sociedade Internacional de Farmacoeconomia e Estudos de Desfechos (ISPOR).