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As mudanças socioculturais sobre a união estável
 
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30/06/2011

As mudanças socioculturais sobre a união estável

Uma reflexão sobre as transformações dos valores contemporâneos

Neste ano de 2011, no Brasil, o Supremo Tribunal Federal mudou a lei que regulamenta a união estável, possibilitando que a união homoafetiva possa ser protegida pelo o Estado (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2011). No estado de Nova Iorque, nos Estados Unidos, foi aprovado o casamento entre pessoas do mesmo sexo. (UOL NOTÍCIAS INTERNACIONAL, 2011).

Anualmente, temos a presença da Parada Gay, em São Paulo, na Avenida Paulista. Movimento que tem como prerrogativa a mudança social através da expressão livre das pessoas. Além disso, a mídia tem promulgado, ou através de novelas televisivas, ou mesmo em noticiários, tais transformações.

Por outro lado, alguns grupos religiosos não são favoráveis a tais mudanças; ou mesmo existem pessoas, de diversas áreas, que acreditam que a Constituição Brasileira, datada de 1988, não deva ser alterada em seus fundamentos básicos. Melhor dizendo, uns promulgam a Bíblia e outros a Constituição de nosso país como leis máximas, e entendem que a sexualidade é restrita a uma relação dada naturalisticamente entre homem e mulher, somente.

Todos esses aspectos têm promovido um maior debate a respeito, e divergências de opiniões podem ser observadas. Contudo, para uma compreensão mais aprofundada desse fenômeno, é importante que adentremos numa reflexão a respeito do que significa os valores de uma sociedade.

Valores sociais

Os valores podem ser definidos basicamente em três grandes categorias: éticos, estéticos e ideológicos. Os valores éticos têm a função de distinguir entre: bem-mal, justo-injusto e moral-imoral. Os estéticos definem a beleza-feiúra e o agradável-desagradável. Os valores ideológicos são os formados pelas crenças das pessoas e englobam crenças políticas, religiosas e as tradições sociais, entre outras (EISENBERG, REYKOWSKI e STAUB, 1989).

O sistema de valores é, então, a ordenação e classificação dos valores éticos, estéticos e ideológicos que determina as decisões e ações dos sujeitos, grupos ou sociedades. Os sujeitos possuem um sistema de valores que contribui para a formação de suas convicções, opiniões e idéias. Esse sistema de valores é compartilhado com outros sujeitos de maneira a formar o sistema de valores de uma sociedade, que pode ser denominado por cultura. A cultura é, portanto, o conjunto de valores de uma sociedade, estabelecido a partir do compartilhamento de valores entre os sujeitos (SCHEIN, 2009).

O sistema de valores possui níveis de consistência e estruturação. A consistência é como um valor tem afinidade com outro valor. Um sistema de valores apresenta certa consistência entre os valores, mas isso nem sempre ocorre, podem existir sistemas de valores que congregam valores incompatíveis. Em relação à estruturação, o sistema de valores pode ser rígido quanto às prescrições de comportamento, formado por valores absolutos; ou pode ser mais flexível, o que significa que o sistema tem regras condicionais para solucionar colisões entre valores em circunstâncias práticas, ou seja, contempla exceções. Como um exemplo de exceção, tem-se: matar é errado, mas matar para autodefesa pode ser aceitável.

O sujeito, grupo ou comunidade apresentam um sistema de valores idealizado e um percebido. O idealizado é o sistema que se acredita ser o melhor e o que deveria ser aplicado. Em contrapartida, o percebido é o que de fato é aplicado. Portanto, existem divergências entre esses dois sistemas. O sistema idealizado tende a ser mais rígido e o percebido mais flexível, já que este último necessita de mais regras de exceção para permitir sua aplicação ao contexto (MOSCOVICI, 1993).

Um sujeito, normalmente, possui tanto valores em consonância com a cultura em que se desenvolveu quanto em dissonância. No processo contínuo de internalização-externalização dos valores culturais, o sujeito modifica seus valores prévios para integrar novos valores, bem como modifica os novos valores para que estes se integrem aos valores já adquiridos. Há uma tendência de atribuir sentido e consonância aos diversos valores internalizados, o que nem sempre ocorre, o que faz com que o sujeito tente dar sentido a novos valores internalizados. Os valores internalizados e modificados pelo sujeito são externalizados no contexto através dos comportamentos deles na relação com outros sujeitos. Dessa maneira, o sujeito contribui para a transformação do sistema de valores, ou seja, da cultura, da sociedade em que está inserido na medida em que compartilha com outros sujeitos os valores re-processados por ele (JOVCHELOVITCH, 2008).

Também, os sujeitos de uma mesma cultura apresentam convergências e divergências entre os diversos valores do sistema de valores. As convergências contribuem para a aproximação entre os sujeitos e a inserção dos sujeitos nos grupos sociais, bem como as divergências podem ser causa de conflitos éticos, ideológicos ou estéticos.

Pode ocorrer, também, a existência de um sistema de valores intragrupo e outro extragrupo. As pessoas que não fazem parte do grupo são avaliadas através de outros valores. Dessa forma, o sistema de valores do sujeito é a base para o julgamento de valor. Este é como o sujeito classifica outros sujeitos, comportamentos e fenômenos sociais entre o que é bom-mau, certo-errado, justo-injusto, bonito-feio, agradável-desagradável.

O julgamento de valor baseia-se em teorias de valor, que são um conjunto de crenças e conceitos pertinentes ao sujeito que conferem noções do que possa ser bom-mau, certo-errado, justo-injusto, bonito-feio, agradável-desagradável. As teorias sobre o que é “bom” e “mau” são centrais ao sistema de valores e referem-se à maneira como os sujeitos positivam ou negativam as coisas através do julgamento de valor. As teorias sobre o que é “bom” podem relacionar-se valores éticos, estéticos e ideológicos.

Tal qual o sujeito, que possui um julgamento de valor, as sociedades têm uma moralidade. Esta é um subsistema do sistema de valores compartilhado socialmente e é o conjunto de princípios culturais, religiosos e filosóficos de uma sociedade que determina quais as ações e comportamentos sujeitos são corretas ou incorretas. É compartilhada, em alguma medida, pelos sujeitos de uma determinada sociedade e generalizada entre eles, de forma a servir como reguladora ao comportamento. A moralidade cria códigos de conduta e uma “moral” diz respeito a um código específico aplicado a um comportamento determinado. Portanto, a moralidade pode ser definida como as normas presentes em uma determinada sociedade e em um determinado período histórico.

A moralidade é composta por leis e tradições. As leis são os regulamentos escritos e formalizados. As tradições são práticas estabelecidas com base em regras morais transmitidas transgeracionalmente. Os tabus formam o subconjunto de tradições que proíbem comportamentos considerados ultrajantes para uma determinada sociedade, por exemplo, o incesto e o assassinato.

Dessa forma, a ética (e não Ética) relativa ao sujeito diz respeito ao que ele considera como “bom” e “mau”, ou seja, como ele confere sentido aos valores adquiridos a partir da cultura. Já a moral se remete a uma determinada sociedade em um determinado momento histórico (GUARESCHI, 2000). A ética individual pode ter maior ou menor consonância com a moralidade da sociedade em que o sujeito se desenvolveu.

Transformações sobre a união estável

Dentro do fundamento que as leis são regulamentos escritos e formalizados, podemos compreender que as leis vão se transformando com as sociedades na medida em que se altera a moralidade vigente, ou seja, o que é tido praticamente como “certo” e “errado” para uma determinada sociedade. Como, na atualidade, impera a teoria de valor da igualdade, as leis estão sofrendo alterações para cumprir essa função, percebida como de maior relevância e em detrimento de outros valores discriminativos.

Porém, as mudanças legais não alteram as éticas individuais, alicerçadas em valores arraigados culturalmente. Nesse sentido, por exemplo, pessoas que acreditam em preceitos religiosos podem, de fato, não aceitarem as mudanças legais sobre a união estável de pessoas do mesmo sexo. Os seus sistemas de valores são baseados na teoria de valor de que a divisão entre homem e mulher possui bases divinas.

Assim, as discussões entre o “certo” e “errado” em relação às uniões estáveis de pessoas do mesmo sexo baseiam-se, principalmente, em duas teorias de valores: uma, que promulga a igualdade e proteção de todos os seres humanos; outra que versa sobre a existência de que homens e mulheres foram idealizados como a célula familiar de uma sociedade, seja para a procriação, seja pela dotação divina.

A conflitiva entre sistemas de valores surge quando um não apresenta congruência com o outro. Mas, ao analisarmos os dois sistemas de valores citados, podemos observar que, em tese, estes não são excludentes.

Pois, o princípio de que todos os seres humanos são iguais e merecem proteção deve permear, em alguma medida, todos os sistemas de valores, mesmo que seja em algumas situações. Por exemplo, provavelmente, a maioria das pessoas acredita que todos merecem proteção em relação à saúde, educação e aos direitos fundamentais.

Nesse sentido, nas sociedades pluralistas como as contemporâneas, um princípio merece ser discutido ativamente: a liberdade de escolha. Mediante a esse princípio, ou seja, valor, todos possuem o direito de ter seu sistema de valor, ou melhor, suas crenças, e devem respeitar o sistema de valor de outros grupos. Nada mais do que dizer: o respeito ao outro.

Referências

GUARESCHI, P. Os Construtores da informação: meios de comunicação, ideologia e ética. Petrópolis: Vozes, 2000. 377 p.

EISENBERG, N.; REYKOWSKI, J.; STAUB, E. (orgs.). Social and moral values: Individual and societal perspectives. Hillsdale, NJ: Lawrence Earlbaum Associates, 1989.

JOVCHELOVITCH, S. Os contextos do saber: representações, comunidade e cultura. Petrópolis: Vozes, 2008. 344 p.

MOSCOVICI, S. La era de las multitudes: un tratado histórico de psicología de las masas. México: Fondo de Cultura Económica, 1993. 479 p.

MOSCOVICI, S. Psicologia social. Barcelona: Paidós, 1991-1993.

SCHEIN, E. H. Cultura organizacional e liderança. São Paulo: Atlas, 2009.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Supremo reconhece união homoafetiva. 05 maio 2011. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178931.

UOL NOTÍCIAS INTERNACIONAL. Senado de Nova York aprova o casamento. 25 junho 2011. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/internacional/2011/06/25/senado-de-nova-york-aprova-o-casamento-gay.jhtm
 

 


Autor: Marli Appel e Guilherme Wendt
Fonte: Vide referências

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