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Passagem secreta para o cérebro
 
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16/08/2012

Passagem secreta para o cérebro

Tratamentos com células-tronco prometem curar várias doenças neurológicas

A barreira hematoencefálica é um dos mais importantes mecanismos de defesa do corpo humano. Ela impede que substâncias nocivas, bactérias ou vírus presentes no sangue penetrem no cérebro. No entanto, muitas vezes ela é um empecilho para tratamentos médicos, já que vários medicamentos administrados no sangue na forma de comprimidos ou injeções não conseguem atravessar esse escudo protetor. A consequência: substâncias que poderiam ajudar no caso de doenças neurológicas como Parkinson, Alzheimer ou derrame não atingem seu alvo. Por isso, cientistas já procuram há tempos caminhos pelos quais consigam levar as substâncias terapêuticas diretamente para o cérebro. Um método já estabelecido, mas muito invasivo, consiste em fazer um orifício no topo do crânio para assim administrar os medicamentos por ele de forma dirigida. 

O farmacêutico William Frey II, diretor do Centro de Pesquisas em Alzheimer em St. Paul, Minnesota, porém, já pesquisa há cerca de duas décadas outro caminho: pelo nariz. Frey já mostrou que algumas substâncias da cavidade nasal penetram no cérebro pelo nervo olfativo. Esse caminho “secreto” ofereceria várias vantagens para o tratamento de doenças neurológicas: spray nasal em casos de Parkinson seria não apenas mais cuidadoso e barato, mas certamente bem menos arriscado do que cirurgia. Além disso, esse recurso pode ser utilizado, se necessário, várias vezes sem grandes desgastes físicos e emocionais.

Junto com William Frey, nós estudamos no ano passado no Hospital Universitário de Tübingen, se não apenas substâncias químicas e partículas mas também células do próprio corpo conseguem atingir o cérebro dessa maneira. Pois para muitas doenças neurodegenerativas – entre elas, Alzheimer e Parkinson – um tratamento com células-tronco adultas MSCs ou mesenquimais (do inglês mesenchymal stem cells) pode ser bastante promissor. Elas são capazes de se transformar em diferentes células e conseguem assim interromper pelo menos parcialmente a redução de neurônios. Como essas estruturas precursoras são originárias da própria medula dos pacientes, seu sistema imunológico não as rejeita e elas não envolvem questões éticas, como no caso das células-tronco embrionárias.

Em 2008 demonstramos que, pelo menos em roedores, as MSCs adultas realmente chegam ao cérebro através do nariz. Para tanto, tingimos as células que o laboratório de células-tronco do banco de sangue de Tübingen havia isolado a partir da medula de ratazanas. Na sequência, pingamos nas narinas de camundongos uma solução com essas células. Com a ajuda de um microscópio sofisticado, acompanhamos a migração das células-tronco marcadas. Depois de uma hora, várias centenas delas já haviam chegado ao córtex cerebral!

Com base nas imagens, pudemos reconstruir o caminho das células: primeiro elas se reuniram na mucosa olfatória, na região mais alta da cavidade nasal. Ali, a camada mais alta do osso etmoide, que separa a cavidade nasal da craniana, a lâmina cribriforme, impede o acesso ao cérebro. No entanto, na lâmina há vários pequeninos buracos através dos quais os botões terminais do nervo olfatório entram na cavidade nasal. As células atravessam o osso etmoide ao longo desses cordões chegando ao bulbo olfatório, estrutura cerebral profunda que fica imediatamente acima da cavidade nasal.

Depois que atingem o sistema nervoso central, vem a segunda parte da migração: algumas células atravessam o cérebro até regiões distantes como o hipocampo e o estriado. Descobrimos também uma parte das MSCs fora do cérebro, no espaço subaracnóideo (onde fica o liquor cerebral). De lá, elas aparentemente penetraram no córtex cerebral em diversos pontos e migraram para regiões mais profundas. Dentre as cerca de 300 mil células-tronco contidas nas nossas gotas nasais, centenas – e às vezes até alguns milhares – delas chegaram ao cérebro em uma hora. Várias, porém, ainda ficaram na cavidade nasal. Supomos que também essas células chegaram ao sistema nervoso central mais tarde. 

Como é possível que as células-tronco percorram em apenas uma hora a distância gigantesca para elas da ponta do nariz até as profundezas do cérebro? Essa questão ainda não foi esclarecida. Sabe-se, porém, que no mínimo grandes partículas de proteínas que se encontram no espaço subaracnóideo alcançam a área cerebral interna em minutos por meio da chamada bomba perivascular. É nessa região que as partículas – e provavelmente também as células tronco – que se encontram entre os vasos sanguíneos e a meninge são carregadas pela pressão da pulsação conseguindo, dessa forma, atravessar rapidamente grandes distâncias.

Estávamos também interessados em saber se a recepção das células-tronco através da mucosa nasal poderia ser melhorada pela administração de outras substâncias. Para tanto, testamos a hialuronidase, enzima que “afrouxa” a camada de células mais alta da mucosa nasal, elevando a permeabilidade do tecido. Sabe-se, por experimentos anteriores, que um tratamento assim, por exemplo, facilita a invasão do sistema nervoso central por bactérias. Realmente, uma hora depois da administração intranasal das células-tronco, encontramos maior número de MSCs no cérebro dos camundongos cuja mucosa havíamos tratado previamente com hialuronidase do que no cérebro dos animais que não receberam a enzima.

Além dos caminhos de migração através dos bulbos olfatórios e do espaço subaracnóideo, outra trilha seria possível: as células poderiam chegar também ao tronco encefálico e, por meio dele, até o cerebelo, pelo nervo trigêmeo, o qual provê amplas partes do rosto com feixes de nervos. William Frey conseguiu demonstrar em experimentos que algumas substâncias, como o hormônio interferon beta, podem se deslocar até o sistema nervoso central por esse caminho.

Por isso, parece muito promissor continuarmos seguindo esse rastro. Uma das maiores vantagens do método de administração de células-tronco pelo nariz estaria na possibilidade de repetirmos o tratamento com a frequência que quisermos. Por outro lado, não seria razoável sugerir ao paciente a realização de vários transplantes cirúrgicos de células no cérebro, já que essa intervenção, muito invasiva, está associada a vários efeitos colaterais, como cicatrizes e 
inflamações.

É preciso considerar possíveis desvantagens do novo procedimento. Uma delas é o fato de as células não chegarem diretamente à região cerebral prejudicada, mas primeiro terem de passar por todo o cérebro – correndo o risco de não atingir seu objetivo. Estudos anteriores, porém, levam a supor que as células-tronco têm a capacidade de migrar objetivamente para regiões cerebrais inflamadas. Por isso, pode-se imaginar que, após a administração intranasal, as células “reconhecem” qual tecido está doente e se deslocam diretamente para lá. 

Pesquisas recentes confirmam essa suposição. Em uma delas, de forma proposital, alteramos quimicamente uma região cerebral específica em ratos e, em seguida, administramos célulastronco pelo focinho dos animais. A maior parte das células migrou para o hemisfério cerebral afetado, onde sobreviveram por no mínimo seis meses. Isso reforça a hipótese sobre o potencial das células de procurar, por conta própria, o caminho até as regiões necessitadas.

Sem dúvida, nossa iniciativa ainda é muito nova, e antes de ser utilizada com seres humanos ainda há uma série de outros experimentos a ser feitos. Eles devem mostrar com mais detalhes que efeito terapêutico a administração intranasal repetida de células-tronco tem para diversas doenças. Além disso, são necessárias observações de longo prazo para determinar se o novo procedimento realmente não apresenta contraindicações. Tanto o potencial terapêutico quanto os possíveis efeitos colaterais desse tipo de tratamento, no entanto, dependem principalmente do tipo de células escolhidas, não da forma de administração – nesse caso pelo nariz.


Autor: Redação
Fonte: UOL Mente e Cérebro

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