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Entrevista sobre o câncer
 
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18/02/2011

Entrevista sobre o câncer

Geneticista foi responsável por descoberta revolucionária

Janet Davison Rowley, de 85 anos, é a matriarca da genética do câncer. Sem sua descoberta da década de 1970, de que cromossomos quebrados e translocados eram um fator importante no câncer do sangue, nós provavelmente não teríamos os tratamentos para leucemia que hoje são rotineiros. As conversas ocorreram no início do inverno, em seu escritório na Universidade de Chicago e também em sua casa no Hyde Park, onde ela mora com o marido Donald Rowley, de 62 anos, patologista de pesquisa. Segue uma versão editada e resumida das entrevistas.

A senhora não começou como geneticista, mas como médica. Sua carreira na pesquisa foi acidental?

De forma alguma. No final da década de 1950, trabalhei alguns dias por semana como médica numa clínica do Hospital Cook County, direcionada a crianças com retardo mental. Como tinha crianças pequenas em casa, eu só trabalhava meio período.

Em 1961, a Universidade de Chicago concedeu ao meu marido uma licença de um ano na Inglaterra. Eu precisava de algo para fazer nesse período em que estaríamos lá. Devido ao meu trabalho com crianças retardadas, eu estava interessada em doenças hereditárias. Havia sido recentemente descoberto que a síndrome de Down estava ligada a uma cópia adicional do cromossomo 21. Assim, um amigo conseguiu um encontro com Laszlo Lajtha, hematologista de Oxford. Ele estava conduzindo trabalhos revolucionários com o padrão de replicação de células da medula óssea. Lajtha permitiu que eu frequentasse o laboratório para ampliar seu trabalho à replicação de cromossomos, algo que me interessava, e para aprender mais sobre o emergente campo da citogenética.

Qual era o estado da pesquisa genética em 1961?

A revolução estava longe de acontecer. Havia se passado menos de uma década da descoberta de Watson e Crick. Estávamos apenas começando a ter uma ideia de como era o DNA. Ainda não existiam as ferramentas certas para pintar, cortar, examinar e manipular.

Porém, mesmo com tecnologia limitada, já havia alguns avanços. Um dos mais importantes veio em 1960, quando Peter Nowell e David Hungerford, da Filadélfia, descobriram que um pequeno cromossomo tinha a metade do tamanho normal em muitos pacientes com CML, um tipo de leucemia. Segundo uma convenção da época, isso ficou conhecido como o cromossomo Filadélfia.

Gostei muito de meu trabalho laboratorial com Lajtha. Decidi que, voltando Chicago, eu tentaria encontrar outro trabalho de meio período - mas desta vez em pesquisa.

Como a senhora iria fazer isso, com poucas credenciais de pesquisa?

Bem, eu tinha um artigo conjunto com Lajtha que seria publicado na revista "Nature", sobre a replicação de DNA em cromossomos. Então eu tinha ao menos isso.

O que fiz foi ir até Leon Jacobson, diretor do Hospital Argonne de Pesquisa do Câncer, financiado por uma grande verba da Comissão de Energia Atômica; ele tinha um pote de dinheiro. "Tenho um projeto de pesquisa iniciado na Inglaterra que gostaria de continuar. Eu poderia trabalhar aqui por meio período? Tudo de que preciso é um microscópio e uma sala escura. Ah, e eu posso ter um salário? Preciso ganhar o bastante para pagar uma babá". E ele disse sim para tudo!

Uma vez no hospital, o hematologista Dr. Jacobson às vezes me pedia para examinar as lâminas de seus pacientes de leucemia. No microscópio, enxergávamos cromossomos anormais - uma quantidade grande ou pequena demais num grupo, embora fosse difícil diferenciá-los entre si. A tecnologia ainda não havia chegado lá.

Isso acabou levando à sua importante descoberta de 1972, sobre as translocações cromossômicas?

Sim. Mas eu ainda faria outra viagem à Inglaterra antes que isso acontecesse.

Em 1970, meu marido ganhou outra licença em Oxford. Quando estávamos de saída, apareceu essa nova tecnologia da associação. Com isso, o material genético é pintado com corantes especiais e examinado num microscópio fluorescente. As bandas nos cromossomos se destacam em contraste. Você consegue enxergar diferenças sutis, que podem ser usadas para identificar cromossomos diferentes.

Havia alguém em Oxford que trabalhava ativamente com essa técnica. Eu consegui utilizar o microscópio fluorescente à noite e nos finais de semana, para estudar coisas relacionadas ao meu trabalho. No fim da licença, eu sabia que podíamos aprender mais sobre os cromossomos do que era observado nas lâminas dos pacientes de leucemia.

E foi assim que a senhora descobriu as translocações?

Bem, naquela ocasião era possível usar os padrões das bandas para identificar diferentes cromossomos.

Assim que retornei a Chicago, examinei dois grupos distintos de cromossomos - com tamanhos e formatos similares - de pacientes com leucemia do tipo AML. Os cromossomos 8 e 21 estavam quebrados e possuíam pontas trocadas - a primeira translocação cromossômica reconhecida.

Mais adiante, examinei fotografias de células CML, uma tingida por este processo e outra não. Era possível ver que o cromossomo 9 tinha um pedaço extra nele. Essa era a parte do cromossomo Filadélfia que havia se partido. Ao contrário do que havíamos pensado, o cromossomo Filadélfia não representava uma eliminação de material cromossômico. Tanto o cromossomo Filadélfia quanto o cromossomo 9 haviam sofrido quebras e troca de pontas - era a segunda translocação.

E essa foi uma descoberta revolucionária para a genética, certo?

E para o câncer. Ainda havia muito a descobrir, claro. Por que essa disposição levava à leucemia? Qual a consistência dessas descobertas? Em meu laboratório, em 1977, descobrimos uma terceira tradução específica num tipo raro de leucemia, o APL. Isso mostrou que o que havíamos observado com os outros dois não era uma anomalia. A terceira descoberta me transformou numa fiel. E no final da década de 70 houve o consenso geral: o câncer é uma doença genética.

Algumas vezes se diz que o milagroso remédio Imatinib, que se mostrou tão útil contra CML e outros cânceres, não existiria sem o seu trabalho. Isso é verdade?

É uma afirmação bastante generosa. Mas você teria de passar por muitos passos nesse meio-tempo.

As pessoas me acusam de ser humilde demais. Mas observar cromossomos no microscópio não é engenharia de foguetes. Se eu não tivesse descoberto, outra pessoa descobriria.

A senhora acha que uma carreira como a sua seria possível atualmente?

Não. Eu fazia uma pesquisa direcionada pela observação. Hoje, isso é uma sentença de morte na busca por financiamentos. Atualmente somos tão focados na pesquisa por hipóteses que, fazendo o que eu fiz, seu trabalho seria chamado de "expedição de pesca", algo ruim.

Certo, nós sabíamos sobre o cromossomo Filadélfia, e depois da associação nós tínhamos a tecnologia para definir ganhos e perdas entre os diferentes cromossomos. Mas quando se descobria isso, quais seriam as implicações dos ganhos e perdas? Isso é a "pesca", pois não existia uma hipótese.

Bem, sem nenhum conhecimento, é impossível ter uma hipótese concreta.

Eu continuo dizendo que pescar é bom. Você pesca quando quer saber o que existe ali.

Autor: Claudia Dreifus
Fonte: UOL - Ciência e Saúde

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