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Pais sofrem dilema de contar a filhos sobre reprodução assistida
 
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15/11/2009

Pais sofrem dilema de contar a filhos sobre reprodução assistida

Contar ou não ao filho que ele é fruto de uma doação de esperma, de óvulo ou de embrião ou que sua gestação aconteceu em outra barriga?

Contar ou não ao filho que ele é fruto de uma doação de esperma, de óvulo ou de embrião ou que sua gestação aconteceu em outra barriga? As tecnologias de reprodução assistida têm possibilitado o surgimento de novos perfis de família e levantado questões polêmicas e ainda pouco debatidas no país.

A exemplo do que ocorria no passado com as adoções, muitos casais brasileiros omitem dos filhos a sua origem genética, especialmente quando a gravidez ocorreu com óvulo doado por uma mulher mais jovem ou sêmen obtido em banco de esperma. Já quando a criança foi gerada em outro útero --geralmente de um familiar - a revelação é certa.

Em países como a Inglaterra e a Bélgica, a criança tem o direito legal de saber sobre sua história quando atinge a maioridade. Nos Estados Unidos, jovens que foram gerados com gametas doados têm encontrado seus pais biológicos por meio de grupos na internet.

No Brasil, não há leis a respeito, mas uma resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) prevê que a doação de gametas seja anônima.

Especialistas em infertilidade costumam desencorajar seus pacientes a contar a verdade sob o argumento de que isso trará mais prejuízos do que benefícios à criança. Os psicólogos discordam. Para eles, o segredo pode gerar fantasias infantis ainda piores. E há médicos que lembram que a herança dos genes precisa ser conhecida para prevenir doenças futuras.

Nos EUA, uma coleção de livros infantis, "Hope and Will Have a Baby", se propõe a ajudar os pais a fazer essa revelação de forma lúdica. Cada livrinho conta a história de um menino que descobre a luta e o sucesso dos pais na criação de sua família por quatro caminhos diferentes: doação de óvulos, de esperma ou de embrião ou útero de substituição.

"As crianças têm um inquestionável direito de conhecer suas origens. Manter isso em segredo produz uma atmosfera que elas podem não compreender totalmente, mas sentem, e pode fazer com que os pais "pisem em ovos" ao falar sobre a gestação. Isso é ruim para a criança", disse à Folha Iréné Celcer, psicóloga em Atlanta (EUA) e autora dos livros.

Para ela, os conflitos gerados no passado sobre o segredo em torno da adoção devem servir de lição para que o mesmo não ocorra, agora, com os filhos da reprodução assistida. "Quero ajudar os pais a contar ao filho a linda história de amor em torno de sua concepção, o quanto ele foi desejado e que houve ajuda de várias pessoas nesse processo."

A arquiteta Ana*, 33, e o advogado Júlio, 43, de São Paulo, ainda estudam a melhor forma de, no futuro, revelar aos filhos suas verdadeiras origens, mas já sabem que a expressão "pai biológico" não aparecerá na história. O primogênito, de um ano e meio, e os gêmeos que estão na barriga da mãe foram gerados com sêmen doado.

Doação não é bem a palavra. As cinco ampolas de esperma foram compradas em um banco de sêmen nos EUA --cada uma custa em torno de US$ 500 (R$ 855). "Vamos contar da forma mais natural possível. O doador não é o pai deles, é apenas o doador. É assim que a gente encara, como um doador de sangue", diz Ana.

Para o pediatra Leonardo Posternak, do hospital Albert Einstein, o caminho é por aí. "O doador não é um pai. Um pai que abandona o filho continua sendo um pai, tem nome, história. Nesse caso é diferente. A situação é complicada, mas o complicado tem que ser dito."

Revelação

A comerciante Karin, 51, do Rio, já pensou em contar à filha de dez anos que ela foi gerada com embrião doado, mas desistiu. "Não fará bem para ela, que é uma menina feliz. Tenho certeza de que só fará mal."

Para a psicóloga Magdalena Ramos, especializada em casal e família, o segredo pode afetar o relacionamento entre os pais e a criança. "A criança percebe que há algo diferente. Às vezes, sua fantasia pode ser mais perturbadora do que a realidade dita de uma forma adequada."

Ramos orienta que a verdade seja contada em uma idade adequada, quando a criança começar a perguntar sobre como foi gerada. Caso ela não questione, os pais podem "puxar o assunto". Se não se sentirem confortáveis, a psicóloga sugere que procurem ajuda especializada.

"É preciso trabalhar as razões que os levaram a guardar segredo. Eles fazem o procedimento [fertilização] rapidinho, às escondidas. Depois, é como se não pudessem falar sobre suas angústias e dúvidas."

Segundo a psicóloga, é importante que os pais estejam preparados e abertos para receber as dúvidas do filho. Posternak diz que essa revelação deve ser feita aos poucos, dando espaço para a criança pensar e perguntar. "Há especialistas que acreditam que a verdade deve ser dita desde o berço, outros defendem que isso ocorra mais tarde", afirma.

O casal de juízes Maria Lúcia Fonseca, 47, e Carlos Eduardo Rodrigues de Sousa, 35, pretende esperar a filha Isabela, de dois anos e meio, crescer mais para conhecer sua história.

Maria Lúcia precisou recorrer à Justiça para conseguir usar a barriga de aluguel de uma amiga porque não tinha parentes disponíveis -único caso em que o útero de substituição é permitido no Brasil. Após a autorização, que incluiu uma permissão para que o bebê fosse registrado em nome dos pais biológicos, Maria Lúcia teve três óvulos fertilizados e implantados. Isabela nasceu em 2007. "Ela é um milagre da ciência, do direito e de Deus. Os três juntos me possibilitaram ter essa criança", conta a mãe.

A menina ainda não entende que nasceu de outra barriga, mas os pais pretendem lhe dizer como foi gerada. "Quando ela tiver condições de entender, com certeza vamos contar. Não vemos problema nisso", diz.

Controvérsias

Muitos dos especialistas em reprodução assistida defendem que a criança não deve saber de sua origem genética em casos de doação de gametas.

Para o ginecologista Artur Dzik, do Hospital Pérola Byngton, isso depende da idade. Se a paciente tem perto de 50 anos, quando é raro engravidar, ele a orienta a contar a verdade sobre a ovodoação porque os filhos "fatalmente vão descobrir". "Quando a mãe tem menos de 45 anos, para os filhos é melhor não saber. Em doações de sêmen, os pais são geralmente jovens e a tendência é não contar."

Ricardo Baruffi, especialista em reprodução assistida, acredita que os filhos não precisam saber de sua origem genética. "Você vai criar um conflito e não vai dar a solução. A pessoa vai crescer e querer saber quem é o pai ou a mãe. Não podemos falar, a doação é anônima."

Genética

O processo de gestação do filho é um segredo que a engenheira paulista Lúcia Helena, 49, pretende levar para o túmulo. Ela recorreu a uma doação de óvulos há quatro anos. "Não vejo a menor necessidade de contar. Isso só provocaria confusão na cabeça dele. Tenho fotos registrando a minha gestação e o nascimento dele. É essa a história do meu filho", afirma.

Não é bem assim. Conhecer os problemas de saúde da família pode ajudar a se prevenir de doenças no futuro, diz Salmo Raskin, presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica. "Não é simples como doação de sangue. Há doenças genéticas hereditárias que só se manifestam aos 40, 50 anos", diz. Por outro lado, a revelação traz implicações jurídicas. "Se a doação deixa de ser anônima, o filho pode reivindicar seus direitos legais. Isso seria o fim das doações de sêmen e de óvulos."

* Alguns nomes foram trocados a pedido dos entrevistados


Autor: Cláudia Collucci
Fonte: Folha online

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