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AIDS e envelhecimento: repercussões na saúde pública
 
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06/10/2009

AIDS e envelhecimento: repercussões na saúde pública

Incidência de HIV na população idosa e tendência à feminização

Introdução

Devido aos avanços técnico-científicos observados no mundo, consequentes transformações foram percebidas, inclusive demográficas. Desse modo, com melhores condições de vida e saúde, temos hoje um mundo que envelhece. A chamada terceira idade, compreendida, segundo a Organização Mundial da Saúde, a partir dos 65 anos em países desenvolvidos, e a partir dos 60 anos em países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, representa um recente campo de estudo para a ciência.
 
Cabe pontuar que, em 10 anos, o Brasil experenciou um aumento de 35,5% de indivíduos situados nessa faixa etária (LAZZAROTTO et. al., 2008). Paralelamente a essas transformações demográficas, o quadro das patologias do envelhecimento também sofreu alterações. Nesse sentido, as ciências médicas têm intensificado o estudo dessa parcela populacional, pela compreensão que os mesmos apresentam particularidades em relação a outros períodos do ciclo vital, e na preocupação com a promoção de uma melhor qualidade de vida para os mesmos (ARGIMON e STEIN, 2005).
 
Há poucos anos atrás, envelhecer acarretava, na maioria dos casos, em uma diminuição da velocidade do pensamento e articulação motora, acompanhado de doenças típicas e comuns a essa parcela da população, como no caso das diabetes, hipertensão arterial, etc. Recentemente, conforme relatório da UNAIDS (2002), uma das patologias que vem se apresentando, de forma cada vez mais frequente nessa população, é a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, ou, popularmente, AIDS. Sobretudo no sexo feminino, que apresenta índices de infecção até 40% superior aos verificados no sexo masculino.
 
Dessa forma, pretende-se avaliar esse fenômeno a partir de dados do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde. Acreditamos que este estudo adquira relevância com base nos expostos acima, e iremos comparar, sempre que possível, os dados da terceira idade com os verificados na população em geral. Nesse sentido, espera-se compreender de forma clara os impactos dessa epidemia mundial na população idosa brasileira.
 
Desenvolvimento
 
A Organização Mundial da Saúde, por meio do UNAIDS, comenta que, provavelmente, os indivíduos idosos que estão hoje com HIV foram, em sua maioria, infectados em estágio anterior da vida. A esse respeito cabe a discussão acerca da conscientização por parte da população de que a AIDS não está restrita a grupos específicos, sendo esse dado confirmado por inúmeros estudos (MATSUSHITA e SANTANA, 2001; MARTIN et al., 1995; CHEN et al., 1998; LINSK, 2000).
 
É comum, nos tempos do Viagra e liberdade de expressão sexual, que se ouça de pessoas da terceira idade a percepção de que “não preciso usar preservativo” ou “AIDS não é coisa do meu tempo”. Contudo, no grupo de idosos infectados é possível verificar condutas também comuns a outras faixas etárias, como a prática de sexo heterossexual desprotegido e com múltiplos parceiros, o uso de drogas ilícitas, etc. (UNAIDS, 2002).
 
As conseqüências da AIDS na saúde de todas as pessoas, jovens ou idosas, são bastante severas. Porém, as particularidades do organismo idoso, comentadas anteriormente, indicam que o tratamento antiretroviral pode não ser tão efetivo, pois, a idade avançada permite a proliferação do vírus HIV. Os sintomas iniciais geralmente são acompanhados de sonolência, pensamento lentificado, aceleramento da respiração, cansaço, febres, anorexia, etc. A esse respeito, Araújo e colaboradores (2007) fazem uma importante consideração baseada em que esses primeiros sintomas são comuns a muitas causas de internação de idosos, porém, por questões culturais, as equipes de saúde podem experimentar sentimentos de vergonha ao abordar a sexualidade no idoso. Confira abaixo o número de causas de morte atribuídas à AIDS, no Brasil, desde 1990:
 
Fonte: Report of the global AIDS epidemic – UNAIDS/WHO, 2008 e IDB 2007 – Ministério da Saúde/BRASIL.
 
De acordo com os dados da UNAIDS/DATASUS, percebe-se que o Brasil nunca teve menos de 8 mil mortes/ano em decorrência da AIDS, desde que esse acompanhamento passou a ser feito. De 1990 até 1996, o aumento foi expressivo, atingindo o pico máximo de 16 mil mortes. De 1998 até 2006, os índices não oscilaram com tamanha significância, porém, em 2007, verificou-se um número próximo do recorde registrado em 1996.
 
O estado do Rio Grande do Sul, por sua vez, está em gradativo aumento do número de óbitos em decorrência dessa patologia. Em dez anos (1994-2004), o número de óbitos cresceu 53,2%.
 
Tais resultados, tanto do RS como do Brasil, abrem espaço para a discussão das medidas que estão sendo tomadas e, de certo modo, exigem uma compreensão da dimensão que esse problema vem tomando na sociedade contemporânea. Os gráficos dois e três ilustram os dados veiculados pelo Ministério da Saúde do Brasil no tocante à taxa de incidência tanto na população geral como em idosos, que é o foco deste estudo.
 
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   Fonte: IBD 2007 – Ministério da Saúde
 
A década ilustrada no gráfico dois representou, em termos de Brasil, um aumento de 10,58% na taxa de incidência de AIDS. No mesmo período, para o estado do Rio Grande do Sul, os dados são alarmantes: aumento de 45,23% na taxa de incidência; ou seja, em ritmo quatro vezes superior ao verificado no Brasil. No ano de 2006, a segunda maior taxa de incidência de AIDS foi encontrada no RS (31,77 por 100 mil hab.), perdendo apenas para o estado de Santa Catarina, que apresentou uma taxa de incidência de 33%.
 
Fonte: IBD 2007 – Ministério da Saúde
 
Quando analisada a taxa de incidência na população com 60 anos ou mais, novamente percebe-se uma liderança não almejada por parte do RS. Ou seja, tanto em 1996 como em 2006, o RS apresentou taxas superiores a média nacional nos casos de incidência em idosos. Em termos numéricos, o aumento verificado no Brasil, como um todo, fica na casa dos 45,81%, e o RS apresentou um aumento de 59,15%.
 
Além disso, no ano de 1996, o RS registrou 36 novos casos de AIDS entre a população com 60 anos ou mais, figurando na quinta posição dentre os estados com maior taxa de incidência. Do mesmo modo, mais de 2/3 (77%) desse montante foi composto por pessoas do sexo masculino. Dez anos depois, o estado do Rio Grande do Sul registrou 122 novos casos, sendo a maioria (54%) do sexo masculino, perdendo apenas, em termos de novos casos, para os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente.
 
Desse modo, percebe-se que, além do aumento do número de casos, que provavelmente seja devido um melhor diagnóstico, as mulheres passaram a figurar de forma expressiva nessas estatísticas. A esse respeito cabe, então, um estudo detalhado. Confira no gráfico abaixo:
 
Fonte: IBD 2007 – Ministério da Saúde
 
Enquanto o número de óbitos de homens por AIDS no Brasil tenha apresentado leve decréscimo desde o ano de 1998, no sexo feminino isso não ocorreu. De 1998 até 2004, observou-se, nesse grupo populacional, um aumento de 13,11%.
 
No Rio Grande do Sul, todavia, o número de óbitos está em expansão, em ambos os sexos. Entre 1998 e 2004, aumentou 18,84% o número de óbitos de homens no RS e 26,85% de mulheres.
 
Fonte: IBD 2007 – Ministério da Saúde
 
O gráfico acima mostra de forma clara o impacto da AIDS na população idosa. Enquanto que na população geral do sexo masculino seja possível verificar uma estabilidade no número de óbitos no período 1998-2004, na população idosa do mesmo gênero, o aumento foi de 20,35% no Brasil. Ainda no sexo masculino, os dados do RS são também alarmantes: enquanto que a população geral tenha experimentado um aumento de 18,84%, os óbitos de idosos homens apresentou crescimento de 60,41% no mesmo período, conforme melhor ilustra a tabela abaixo.
 
Fonte: IBD 2007 – Ministério da Saúde
 
Os dados, tais quais expressos acima, permitem uma clara compreensão da dimensão da problemática. Se acompanharmos a última linha, dos idosos, os índices vão aumentado significativamente da esquerda para a direita, atingindo o seu pico na taxa de aumento de mulheres idosas no RS no período, na casa dos 81,81%. Tais dados superam os apontados pela UNAIDS (2002) e pelo próprio Ministério da Saúde (1998/2007).
 
Deste modo, percebe-se que o estado do Rio Grande do Sul está com índices preocupantes no tocante à AIDS. Em termos representativos, os dados da tabela 1, que dizem respeito ao RS, são superiores aos escores médios verificados no Brasil.
 
Considerações Finais
 
Com este estudo, ficou claro que maiores esforços devem ser empreendidos para mudar o panorama da AIDS no País. Especialmente no RS, em que os índices são especialmente severos na parcela mais idosa da população. Publicações indicam que a maioria das infecções nessa parcela populacional ocorre por via do ato sexual (ARAÚJO et. al., 2007), abrindo espaço para a quebra de mitos tão arraigados, como os do tipo “idosos não fazem sexo” ou “eu não corro risco de ser infectado”.
 
Do mesmo modo, o fenômeno da “feminização” abre espaço para discussões mais ampliadas, como o papel da mulher no contexto brasileiro e o percurso histórico que, talvez, contribua para essa eclosão atual. Ou seja, a dependência econômica ao marido pode acarretar uma aceitação da poligamia, associado a crenças religiosas que não incentivam o uso de preservativos para a proteção contra DST’s/AIDS (PEREIRA et. al., 2008).
 
Além do emprego de medidas estritamente profiláticas, cabe a promoção de ações de conscientização, focadas num molde integral de saúde (física e psicológica), que permitam que as mulheres assumam, de fato, uma postura de autocuidado.
 
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Referências

ARAÚJO, V. L. B. et al. Características da Aids na terceira idade em um hospital de referência do Estado do Ceará, Brasil. Rev. bras. epidemiol., v. 10, n.4, p. 544-554, dez. 2007.
 
ARGIMON, I. I.; STEIN, L. M. Habilidades cognitivas em indivíduos muito idosos: um estudo longitudinal. Cad. Saúde Pública, v.  21, n. 1, p. 64-72, fev. 2005.
 
IBD BRASIL. Indicadores e Dados Básicos. Ministério da Saúde/BRASIL. Disponível em:< tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2007/matriz.htm> acesso em 10. jan. 2009.
 
LAZZAROTTO, A. R. et al. O conhecimento de HIV/aids na terceira idade: estudo epidemiológico no Vale do Sinos, Rio Grande do Sul, Brasil. Ciênc. Saúde Coletiva,  v. 13, n. 6, p.1833-1840, dez. 2008.
 
BRASIL - MINISTÉRIO DA SAÚDE. Coordenação Nacional de DST e Aids. Tendências da Epidemia : a feminização dos casos de AIDS no Brasil. Boletim epidemiológico on line. Brasília; 1998. Disponível em: <www.aids.gov.br/udtv/bolepide/tendencias.htm> Acesso em 10 jan. 2009.
 
BRASIL - MINISTÉRIO DA SAÚDE. Plano integrado de enfrentamento e feminização da epidemia de Aids e outras DST. Brasília: Ministério da Saúde, 2007.
 
CHEN H. X. et. al. Characteristics of acquired immunodeficiency syndrome in older adults. J. Am. Geriatr. Soc., v. 46, p. 153-157, 1998.
 
LINSK, N. L. HIV among older adults: age-specific issues in prevention and treatment. Aids Reader, v. 10, p. 430-440, 2000.
 
MATSUSHITA, R. Y.; SANTANA, R. S. Uma análise da incidência dos casos de AIDS por faixa etária. Boletim Epidemiológico AIDS. Brasília: Ministério da Saúde, v. 14, n. 2, p. 3-5, 2001.
 
MARTIN, J. N. et al. Effect of Older Age on Survival in Human Immunodeficiency Virus (Hiv) Disease. Am. J. Epidemiol., v. 142, p. 1221-30, 1995.
 
PEREIRA, E. C. A. Tendência da incidência e da mortalidade por AIDS em mulheres na transição menopausal e pós-menopausa no Brasil, 1996-2005. Rev. Assoc. Med. Bras., v. 54, n. 5, p.422-425, 2008.
 
UNAIDS. Report of global AIDS epidemic (2008). Disponível em: < viewer.zmags.com/showmag.php> acesso em 7. jan. 2009.
 
UNAIDS. Impact of AIDS in older population (2002). Disponível em: < data.unaids.org/Publications/Fact-Sheets02/fs_older_en.pdf> acesso em 7 jan. 2009.

 


Autor: Guilherme Wendt - Equipe Sis.Saúde
Fonte: Vide Referências

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