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20/04/2010

De olhos bem abertos

Uma noite de sono tranquilo é fundamental para o aprendizado, raciocínio, criatividade e sedimentação de conhecimentos. No entanto, o descanso vem sendo reduzido em detrimento do 'alto rendimento profissional' e do apelo crescente pela Internet

Thereza Christina Ribeiro é especialista em Psicologia Clínica; psicanalista e Membro Associado da International Psychoanalytical Association (IPA) e-mail: tchrisrib@terra.com.br 
Fausto Alves Ito é dentista especialista em Anatomia Aplicada da Cabeça (ICB-USP); Membro da Associação Brasileira do Sono e diretor da ITO Clínica – Ronco & Apneia do Sono (RJ) e-mail: faustoito@itoclinica.com.br

Desde a era industrial as horas de sono diminuíram gradativamente ao passo que a obesidade e enfermidades cardiocirculatórias se consolidaram como problemas graves de saúde pública. A relação entre sono e doenças insuspeitadas anteriormente está cada vez mais evidente quando observamos o estilo de vida da nossa população, o descanso cada vez mais reduzido em detrimento do “alto rendimento profissional” e o apelo crescente pela Internet. Será que é ilusão ou ainda há um alto grau de desinformação ao supormos que continuaremos a ter o mesmo desempenho nas nossas funções diurnas, uma vez que insistimos em ignorar a necessidade e a importância do sono em nossas vidas? Vejamos alguns detalhes a respeito do assunto.

O sonho é constituído pela experiência do sujeito e de seus registros sensoriais desde a infância. Tudo que foi sensível a sua percepção está armazenado no seu inconsciente

O sono é um processo dinâmico, vital para a saúde e depende do equilíbrio psíquico, neurológico e hormonal. A sua estrutura é composta de 5 fases: estágios 1, 2, 3 e 4 do sono de ondas lentas ou NREM (sem movimentos oculares rápidos) e sono REM (com movimentos oculares rápidos). Para considerarmos o sono reparador é preciso que, ao longo da noite, ocorra de quatro a seis passagens em cada uma dessas fases, sendo necessários cerca de 70 a 120 minutos para completar cada ciclo. O sono REM, conhecido também como sono dos sonhos, é importante para o aprendizado, raciocínio, criatividade e sedimentação de conhecimentos. É fato que as pessoas necessitam de quantidades variáveis de horas de sono, porém o mais importante é a qualidade dessas horas dormidas e, consequentemente, se esse sono será capaz de restabelecer física e psiquicamente a pessoa para o dia seguinte.

No processo respiratório normal durante o sono, os músculos da garganta a mantêm aberta para que o ar chegue até os pulmões e a homeostase seja mantida. Um evento de apneia obstrutiva ocorre quando, devido ao relaxamento muscular, a boca se abre e a língua desliza em direção a garganta impedindo a passagem de ar por períodos curtos de tempo. Essas interrupções repetitivas da respiração ao longo da noite fragmentam o sono, ou seja, não permite que a pessoa atinja o sono profundo e prejudica a oxigenação sanguínea dos tecidos do corpo. As repercussões clínicas podem ser objetivas e subjetivas e constituem um fator alarmante no desenvolvimento de problemas físicos, com aumento da pressão, arritmias e maior predisposição para infarto; psicossociais, por desajustes nos padrões emocionais, sexuais, trabalhistas e familiar, principalmente, entre os cônjuges. Trata-se de uma condição complexa que requer equipe multidisciplinar, tanto no diagnóstico, por meio de polissonografia, quanto no tratamento. Os sinais e sintomas mais frequentes da apneia do sono são ronco alto e intenso, sonolência excessiva durante o dia, sono agitado e deficits cognitivos (lapsos de memória, dificuldade de concentração e de raciocínio), além de irritabilidade persistente, cansaço crônico e mau humor. Vários fatores podem contribuir para o seu surgimento ou agravamento como a obesidade, predisposição genética, alterações anatômicas (queixo pequeno) e hormonais, idade, ansiedade e depressão.

A abordagem das pessoas com distúrbios do sono deve ser sempre multiprofissional devido às causas multifatorias desses distúrbios e aos benefícios que esta visão integrada traz ao paciente. O tratamento multidisciplinar pode envolver diversos profissionais da área de saúde como médicos, dentistas, fonoaudiólogos e psicoterapeutas. É definido especificamente em cada caso, na singularidade da pessoa e consiste na compreensão das escolhas diurnas da vida que perturbam o sono e o reconhecimento das consequências nocivas que o desgaste físico e psíquico pode provocar na superação das exigências do meio ambiente.

Distúrbios do sono:

INSÔNIA – é a dificuldade de iniciar o sono ou de permanecer dormindo. Atinge cerca de 25% da população adulta, principalmente, as mulheres de meia idade. As queixas mais frequentes são a qualidade de sono ruim, como se a noite de sono não fosse suficiente ou reparadora, acordar cansado, com dores no corpo, irritado, desanimado ou mal-humorado. A partir do diagnóstico correto, o tratamento da insônia poderá ser iniciado com psicólogos para resolver questões relacionadas à ansiedade, depressão, problemas familiares, profissionais. Modificar hábitos incompatíveis com sono e utilização de medicamentos tem por objetivo devolver a qualidade de vida às pessoas acometidas.

NARCOLEPSIA – é um distúrbio de sono caracterizado por sonolência excessiva durante o dia em horas inadequadas, cataplexia (perda da tonicidade dos músculos) e anormalidades do sono REM. É um problema genético de difícil diagnóstico, pois pode ser confundido com outros distúrbios do sono ou interpretado como epilepsia. O tratamento é medicamentoso e comportamental. O objetivo é o controle dos sintomas para que a pessoa consiga manter as suas atividades profissional e social normais. Para amenizar a sensação de sonolência e cansaço, pode se indicar cochilos voluntários durante o dia associados à higiene do sono.

SÍNDROME DAS PERNAS INQUIETAS – caracteriza-se por alterações da sensibilidade e desconforto nos membros inferiores (do joelho para baixo) que geralmente ocorre no início do sono. Essa sensação desagradável pode levar a necessidade de movimentar as pernas, com consequente alívio desses sintomas. Esse distúrbio compromete a qualidade de vida devido aos movimentos involuntários que fragmentam o sono durante a noite e podem incomodar o parceiro de cama. O diagnóstico e o tratamento são simples.

SONAMBULISMO – normalmente acontece na infância entre os 5 e 12 anos devido a irregularidade das fases do sono. Quando o hipotálamo – estrutura do cérebro responsável pela consciência está desativado, outra região que coordena a função motora está ativa. Quando essa situação ocorre, o sonâmbulo é capaz de falar, sentar, andar, abrir portas e janelas e ao acordar não se lembra do que fez. Não necessita de tratamento, somente medidas preventivas para evitar acidentes durante os episódios.

BRUXISMO DO SONO – é o ato inconsciente de ranger ou apertar os dentes enquanto a pessoa dorme. A força realizada sobre os elementos dentários produz um ruído específico que pode ser notado por outras pessoas. Os sintomas mais comuns são dor de cabeça, dor facial ou próximo a região dos ouvidos e desgaste da estrutura dentária (esmalte e dentina). De forma geral o diagnóstico e o tratamento são realizados pelo dentista. A indicação é o aparelho bucal confeccionado com resina acrílica que alivia os sintomas, protege os dentes e as gengivas e evita danos à articulação temporomandibular (ATM).

Fonte: The International Classification of Sleep Disorders (ICSD) – http://www.esst.org/adds/ICSD.pdf

SONO TRANQUILO

SHUTTERSTOCK
Vários fatores podem contribuir para o surgimento da apneia ou seu agravamento, entre eles a obesidade, predisposição genética, alterações anatômicas (queixo pequeno) e hormonais, idade, ansiedade e depressão

A Higiene do Sono consiste em algumas orientações para modificar hábitos inadequados com relação ao sono e melhorar a qualidade de vida das pessoas com problemas de distúrbios do sono em geral. Diversos fatores podem influenciar na qualidade do sono, dentre eles: a obesidade, o envelhecimento, estresse e estilo de vida. As pessoas com distúrbios do sono têm maior probabilidade de desenvolver doenças do coração como arritmias, pressão alta e infarto. Algumas dicas podem ajudar para um sono mais tranquilo: 1) dormir e acordar sempre no mesmo horário é bom para regular o relógio biológico; 2) emagrecer é essencial, pois o úmulo de gordura na região do pescoço, tórax e abdômen aumentam as chances de roncar e ter apneias já que estrangulam a passagem do ar nas vias aéreas e dificultam a respiração; 3) é importante ir para cama somente quando estiver com sono; 4) o ambiente onde dorme deve ser mantido o mais escuro possível e com temperatura agradável. A falta de luz induz a produção da melatonina que favorece o sono; 5) evite fumar. O efeito estimulante da nicotina contribui para espantar o sono; 6) criar um ritual ajuda a induzir o sono. Sempre antes dormir leia um livro, ouça uma música calma, tome banho morno, beba um copo de leite ou de chá – camomila, valeriana, melissa; 7) não utilize medicamentos para dormir sem prescrição médica; 8) evite bebidas alcoólicas ou estimulantes como o café e energéticos, além de exercícios físicos pesados próximos da hora de dormir; 9) no jantar, não exagere na quantidade e dê preferência a alimentos saudáveis como frutas e verduras; 10) deixe as preocupações pessoais e profissionais distante da cama. Reserve um tempo antes de dormir para organizar as tarefas e compromissos do dia seguinte; 11) TV, vídeo games e Internet são os grandes inimigos do sono quando utilizados sem controle. A luminosidade deixa o cérebro excitado e afasta o sono. O melhor é desligar esses aparelhos pelo menos meia hora antes de dormir.

TEORIA DE FREUD

Jovens plugados

- Uma pesquisa da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) indica que a maior parte dos jovens do país usa computadores à noite e que esse hábito está causando problemas no sono e no rendimento escolar, informou a Agência Fapesp. A pesquisa, que entrevistou 160 adolescentes entre 15 e 18 anos, concluiu que 65% dos jovens usam computador à noite e, desse total, cerca de 76% utilizam o PC entre 18h e 6h. Enquanto isso, 90,4% utilizam nos fins de semana das 17h às 3 horas da madrugada

O sonho é constituído pela experiência do sujeito e de seus registros sensoriais desde a infância. Tudo que foi sensível a sua percepção está armazenado no seu inconsciente. Uma forma de retorno é o sonho. Podemos afirmar que a mente não dorme, sendo que sua atividade psíquica continua durante o sono e que a dinâmica desse processo reflete na qualidade de vida do sujeito. O sonho é a expressão “viva” do inconsciente, é um desejo que se manifesta através de dois mecanismos: deslocamento e condensação. O deslocamento é uma força psíquica atuante que concentra novos valores a partir de elementos que sejam toleráveis ao julgamento crítico (censura) o (cen ura) do sujeito. Sendo assim, ocorre uma transferência e um deslocamento de intensidade psíquica no processo de formação do sonho. A condensação é outro mecanismo do sonho onde o conteúdo é expresso como se fosse um roteiro pictográfico, cujos caracteres são transpostos para a linguagem onírica, pois os sonhos são breves e apresentam uma lógica própria, daí o valor de decifrar, de interpretar o simbolismo das imagens. Uma imagem onírica desloca-se de uma cena para outra, como também concentra vários sentidos numa mesma cena.

A escolha do material a ser reproduzido em sonho é o mais peculiar, pois envolve a memória em geral, sendo registrado e percebido (Freud, S. 1900 – vol. 4 – Standard Edition). Freud descreveu 4 fontes dos sonhos: excitações sensoriais externas (objetivas), excitações sensoriais internas (subjetivas), estímulos somáticos internos (orgânicos) e fontes de estímulos puramente psíquicas. As imagens mais fortes são mais facilmente lembradas, pois o material é censurado conforme a dinâmica do inconsciente do sujeito – sua vivência. Em suma: a sensibilidade de cada sujeito, como percebe, interpreta e reage aos estímulos de um modo genérico e pessoal. O relato de um sonho está vinculado ao momento emocional do sujeito com suas vivências e códigos de valores. Uma situação qualquer na vida do sujeito vai ser interpretada e sentida de maneira diferente, dependendo do contexto psicológico e de realidade inseridos.

PESQUISAS ALERTAM

Estudos realizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que 40% da população mundial têm algum problema com o sono. É necessário ficar alerta quando as pessoas que apresentam irritação, falta de concentração, ansiedade ou excesso de sonolência durante o dia, pois elas podem estar sofrendo de algum distúrbio do sono. A maior dificuldade em associar a má qualidade do dia a uma noite mal dormida é a falta de percepção que temos do nosso próprio período de descanso. O Jornal Comunicação, jornal laboratório do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Paraná, afirma que, segundo Gisele Minhoto, psiquiatra e especialista em distúrbios do sono, na maioria dos casos as reclamações vêm dos parceiros, que dividem a cama com alguém que apresenta algum sintoma, como agitação, ronco, engasgos ou sufocação.

A publicação indica que, em média, passamos cerca de um terço da vida dormindo. Mas esse tempo está diminuindo: no último século o tempo de sono foi reduzido em 20%, o que significa cerca de duas horas por dia. Essa estatística, explica o jornal, está muito ligada à correria do mundo moderno, que impõe um ritmo acelerado e maior número de atividades.

REFERÊNCIAS

AMERICAN ACADEMY OF SLEEP MEDICINE. The International Classification of Sleep Disorders, 2nd Edition: Diagnostic and Coding Manual. Westchester, Il 2005.

AMERICAN SLEEP DISORDERS ASSOCIATION. Practice parameters for the treatment of snoring and obstructive sleep apnea with oral appliances. Sleep, v.18, n. 6, p. 511-13, 1995.

CAUTER, E. V.; LEPROULT, R.; PLAT, L. Age-related changes in slow wave sleep and REM sleep and relationship with growth hormone and cortisol levels in healthy men. JAMA, v. 284, n.7, p. 861-68, 2000. FREUD, S. Obras psicológicas completas. Edição Standard Brasileira; Rio de Janeiro: Editora Imago, 1972.

ITO, F. A.; ITO, R. T.; MORAES, N. M.; SAKIMA, T.; BEZERRA, M. L. S.; MEIRELLES, R. C. Condutas terapêuticas para tratamento da síndrome da resistência das vias aéreas superiores (SRVAS) e da síndrome da apneia e hipopneia obstrutiva do sono (SAHOS) com enfoque no Aparelho Anti-Ronco (AAR-ITO). Dental Press Ortodon Ortop Facial, v. 10, n. 4, p. 143-156, 2005.

LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J. B. Vocabulário de psicanálise. 5. Edição; Editora Martins Fontes, 1967.

 

 

 


Autor: Thereza Christina Ribeiro e Fausto Alves Ito
Fonte: Portal Ciência & Vida

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