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Com obras iniciadas esta semana, Casa dos Raros irá ampliar e agilizar diagnósticos e tratamentos, treinar profissionais e promover pesquisas na área

É o assunto de dez em cada dez conversas, notícias e postagens nas redes sociais: a pandemia mundial da COVID-19. O vírus colocou países em alerta, impôs quarentena e causa medo. Pouco se sabe sobre ele, ainda não há vacina aprovada, e os tratamentos são experimentais. Porém, enquanto cientistas e médicos do mundo inteiro colocam o novo coronavírus no centro das atenções, milhares de outras doenças raras também possuem diagnóstico difícil e tratamento restritos e caríssimos. 

Viver com esse tipo de condição não é nada incomum: é a realidade de 13 milhões de brasileiros, segundo levantamento do Ministério da Saúde. O geneticista Roberto Giugliani explica que as doenças raras contemplam 8 mil patologias catalogadas no mundo. Atingem no máximo quatro em cada 6 mil pessoas, sendo 72% delas com origem genética. 

“O desafio talvez seja maior do que enfrentar o novo coronavírus, mas pouco se fala no assunto”, aponta Giugliani. Segundo o médico, os estudos mostram que o tempo entre o início dos sintomas e o diagnóstico das doenças raras é de mais de quatro anos, na maioria dos casos, podendo chegar a 20 anos. “Muitas vezes, esse período é decisivo, seja para evitar sequelas, seja para salvar a vida do paciente”, destaca. 

A Casa dos Raros

Giugliani é um dos idealizadores da Casa dos Raros, iniciativa inédita na América Latina que deve ampliar o acesso ao diagnóstico rápido e preciso, garantir tratamento e fomentar as pesquisas. O Centro de Atendimento Integral e Treinamento em Doenças Raras está sendo construído em Porto Alegre pelo Instituto Genética para Todos e pela Casa Hunter, organizações da sociedade civil que desenvolvem projetos nessa área. 

As obras iniciaram neste mês, e os trabalhos devem ser concluídos até o final de 2021. O local, no número 722 da Rua São Manoel, terá 1.600 metros quadrados. Serão duas torres com quatro pavimentos e estrutura de consultórios, dois laboratórios (um para diagnóstico, outro para produção de terapias avançadas), salas para os mais variados tipos de tratamentos, além de espaço para eventos e treinamento de profissionais. 

O projeto é ousado. Entre os equipamentos, está um espectrômetro de massas em tandem, capaz de identificar moléculas que outros exames não captam e que permite identificar até 70 tipos de doenças raras. Terapia genética e tratamentos de última geração também serão oferecidos, além de contar com a expertise de equipe multidisciplinar altamente capacitada que orientará profissionais em centros remotos por meio da telemedicina. “Além de atender os raros e seus familiares, temos de auxiliar os profissionais da área. Muitas vezes, até para os médicos é difícil identificar quando um paciente tem uma doença rara”, afirma Giugliani. O geneticista acrescenta que a Casa dos Raros de Porto Alegre será um piloto. O plano é, nos próximos anos, abrir centros com esse modelo em diversas regiões do Brasil. 

Duas décadas de angústia

A gaúcha Deise Zanin, de 35 anos, é uma das pessoas que possuem doença rara. “Passei mais da metade da minha vida até aqui sem saber o que eu tinha. Fui de médico em médico, tive diagnóstico errado, de artrite reumatoide”, conta. Só aos 20 anos, ela foi diagnosticada com Mucopolissacaridose do tipo 1. 

À época, o Brasil não tinha tratamento para isso. “Receber esse diagnóstico foi bem importante, mas ao mesmo tempo assustador”, relembra. Mas Deise teve sorte: foi convidada a participar de um estudo para testar uma terapia de reposição enzimática. Desde então, ela recebe aplicações da enzima que ela não produz. São sessões de quatro horas, a cada quinze dias. Ela depende da rotina médica, consultas, equipe multiprofissional e idas ao hospital para o tratamento, além de conviver com limitações físicas às quais precisou se adaptar. 

Hoje, ela preside o instituto Atlas Biossocial, uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, que atende pessoas com doenças raras, graves e crônicas. Deise está otimista com o projeto da Casa dos Raros e avalia que a iniciativa pode mudar a vida de muitas pessoas. “A assistência aos raros no Brasil avançou nos últimos anos, mas ainda é limitada e está longe do ideal. A gente precisa de políticas públicas e investimentos no setor de saúde que assegurem o diagnóstico precoce e protocolos clínicos de diretrizes terapêuticas para agilizar, ampliar e melhorar a distribuição dos medicamentos e o tratamento multiprofissional. Isso é essencial para garantir um direito básico a esses pacientes: viver. E viver com qualidade de vida”, conclui Deise. 

Atendimento para todos

A Casa dos Raros estará à disposição de todos os pacientes que precisarem de atendimento, seja particular, por convênio e também quem não tem condições. O modelo está em definição. “Ainda estamos desenhando esse fluxo. Mas ninguém ficará sem atendimento porque o nosso objetivo é justamente ampliar o acesso ao diagnóstico e tratamento”, ressalta Roberto Giugliani. 

O atendimento na Casa dos Raros iniciará com uma entrevista com equipe multidisciplinar. Depois, será feito o encaminhamento para o diagnóstico. Com o resultado, os raros serão orientados sobre o tratamento, preferencialmente em centros de referência. Os médicos responsáveis por esses pacientes receberão treinamento e o suporte para lidar com cada caso. 

Saiba mais: o que é uma doença rara?

Doenças raras são definidas pela prevalência. No Brasil, são aquelas que atingem 65 pessoas em cada grupo de 100 mil habitantes. Ao todo, 72% são genéticas. As 28% restantes são formas raras de câncer, doenças infecciosas raras e condições imunológicas ou endócrinas. Na maioria das vezes, os sintomas


Autor: Melina Fernandes
Fonte: Critério Resultado

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